Deixar de trabalhar período integral para retornar para atividades escolares regulares é mais complicado do que parece. Pelo menos para mim, quando ingressei na faculdade, ainda em 1994 tudo o que eu precisei fazer foi sair de casa e não faltar nas aulas. Depois de tanto tempo longe do mundo acadêmico, eu fico pensando no que será a vida nos próximos dois anos quando, no primeiro ano, eu vou dedicar exclusivamente meu tempo em aulas e exames até chegar o momento de retornar às atividades clínicas com os pacientes. Tudo bem, pode parecer um pouco de exagero, porque este primeiro ano também vai ser inundado de trabalho em laboratório, preparo de dentes em manequins, moldagens, alginato, gesso e tudo mais pertinente ao início das atividades dentro da Odontologia, mas o que eu quero dizer é que esta transição não é um processo muito fácil.

As pessoas me perguntam se eu estou ansioso para iniciar as aulas. Por enquanto eu não estou. Acho que a minha ansiedade, no momento, reside nos meus últimos dias dentro do meu local de trabalho; mais por saber que eu não vou mais voltar para lá e reencontrar a minha equipe de trabalho e alguns pacientes do que o trabalho em si. Digo isto, porque o trabalho é aquilo que a gente já está habituado. Meu procedimento começa quando eu chego ao trabalho, abro o computador e elaboro o plano para os pacientes.

            “If you put your mind to it, you can accomplish anything”. – George McFly

            Uma frase muito inspiradora oriunda de um sujeito originariamente sem qualquer fagulha de motivação e vontade. Se você não sabe quem é George McFly, ele é o pai do Marty McFly, personagem principal da trilogia de filmes De Volta para o Futuro, que estreou no ano de 1985 e teve sua conclusão pouco depois do início da década de 90. Marty era o oposto do pai, antes de ter a oportunidade de conhecê-lo 30 anos antes e ter causado a mudança de atitude observada no final do primeiro filme. A frase acima, na verdade, George ouviu a primeira vez quando o seu próprio filho falou para ele. Não acho que seja dar spoiler em filmes com mais de 30 anos, então se você ainda não assistiu a este clássico do cinema de ficção científica, vale muito a pena fazê-lo.

O ano de 1996 começou para mim com a promessa de ser um dos anos mais difíceis dentro da Faculdade de Odontologia da Universidade de Taubaté. Matérias como Diagnóstico Bucal, Prótese Fixa e Periodontia nem de longe se comparavam com o stress, desespero e medo colocado pela disciplina de Endodontia. Quem cursou o programa nesta década de 90 – e antes também – sabe exatamente o que eu quero dizer.

Eu nunca fui o melhor aluno da classe. Eu queria ser, mas eu tinha esse problema que desviava a minha atenção durante a aula que se chamava “desmontar a minha caneta é mais interessante”. Hoje eu penso sobre o assunto e até penso em dar risada, mas toda vez que eu me lembro do assunto, eu sinto como que se eu fosse ficar de castigo e perder meus privilégios de assistir televisão. Demorou um pouco para eu entender que não era o que eu aprendia, mas o que eu não entregava como resultado. Se eu ficasse distraído na sala de aula, fosse um mau elemento dentro da classe ou xingasse algumas professoras e professores do que eles realmente deveriam ser chamados, mas chegasse com notas boas ou acima da média, então estava valendo.

            Alcançar o objetivo de se tornar um aluno de um programa como o Advanced Standing leva tempo e já contei aqui o que é necessário fazer. Uma vez dentro do programa uma série de outros acontecimentos ocorrem em um momento onde a gente não imaginava precisar se preocupar. No Brasil, quando eu recebi a notícia de que eu tinha sido aprovado para o curso de Odontologia na Universidade de Taubaté, tudo o que eu sabia ser necessário fazer era cortar o cabelo para não precisar tê-lo cortado no dia do trote e só. Ainda no espírito de final de cursinho e tendo meus pais para pagar pelo curso em uma Faculdade particular, tudo o que eu precisava fazer era simplesmente participar das aulas, fazer o meu melhor dentro do curso e não perder mais nenhum ano.

            O sonho de exercer a Odontologia nos Estados Unidos tem a sua origem em diversos fatores. Alguns sonham por sonhar mesmo, algo realmente idílico como quando se sonha ser capaz de voar. Outros almejam este objetivo sem ter muita informação sobre o assunto ou mesmo como ir sem saber como chegar. Longe de mim querer dar motivo ou criar qualquer desculpa para este último exemplo, uma vez que na atualidade só não obtém informação sobre qualquer assunto quem realmente não tiver a mínima vontade ou interesse em procurar. Sejamos simples: Se você quer ser Dentista nos Estados Unidos tudo o que você precisa fazer é realizar uma busca na internet, ler muito sobre tudo o que se tem sobre o assunto, assistir a vídeos e levantar toda a informação necessária para chegar lá.

            Em junho de 2006 eu tive o privilégio de participar de um treinamento avançado de liderança cristã que aconteceu em Maui, Havaí. Como minha primeira experiência fora do Brasil, posso dizer que foi um momento muito especial por conta do aprendizado de vida que eu tive ali. Este seminário de pouco mais de 25 dias abordava temas como diversidade cultural, tecnologia, métodos de ensino e aprendizagem, bem como um contato muito grande com líderes de vários lugares do mundo. Ali eu pude conhecer gente do Panamá, Costa do Marfim, Bielorrússia, Nigéria e outros tantos países que compunham o grupo de pessoas que dedicaram parte do seu ano para receber um treinamento como nunca visto. Foi neste seminário que eu conheci uma pessoa que ficou marcada na minha vida. Um ex-integrante, líder e vocalista de uma antiga banda de rock. Um cristão fervoroso e que me mostrou que o mundo cristão é feito de gente com tatuagens pelo corpo, cabelo comprido e cheio de gírias; diferente do daquela bolha onde eu cresci e fui criado.

            É um sentimento estranho. Sinceramente eu não achava que minha saída do trabalho fosse me afetar da maneira como está acontecendo. Sempre tive por hábito chegar bem cedo para trabalhar, mas não que fosse necessário. Eu sempre fui o primeiro a chegar, uma vez que ganhei a confiança da corporação em me oferecer a chave da porta de entrada. Eu me lembro quando ainda no antigo prédio em Hyannis na Elm Ave, uma das enfermeiras – que chegava ainda mais cedo que eu – sempre abria a porta para eu poder entrar. Este hábito bem se perpetuando durante os anos para que eu possa iniciar meu dia sabendo o que eu vou encontrar em termos de procedimentos a serem feitos, pacientes a serem vistos e uma checagem prévia no que foi feito anteriormente, bem como o que foi conversado em consultas passadas.

            Semana passada eu tive a oportunidade de me reunir virtualmente com alunos e professores da Faculdade onde eu me formei – UNITAU – para conversar sobre o exercício da Odontologia aqui nos Estados Unidos. Confesso ter ficado muito feliz de ser lembrado e chamado para contar sobre o que se faz necessário para quem quer trabalhar como Dentista em solo americano. Comigo naquele dia, estava também uma ex-aluna, graduada alguns anos depois de mim – que infelizmente não conheci pessoalmente – mas que tem uma história muito legal e hoje está prestes a ser chamada em um programa na Virginia. Foi um momento muito legal, onde eu pude rever professores que marcaram a minha vida e foram responsáveis pela minha formação profissional. Confesso, no entanto, que não fiquei muito entusiasmado com o interesse demonstrado pelos alunos que estavam na audiência.

            A luta é real. Pode parecer que trabalhar com Odontologia nos Estados Unidos seja um sonho, um mar de rosas, um passeio no parque. Pode parecer tudo isso, sem deixar de lado que às vezes pode ser um pesadelo, um mar de lama ou um passeio pelo submundo. Quero deixar bem claro que eu não me queixo de tudo pelo que passei. Eu sempre procurei ter uma atitude positiva junto a críticas e momentos difíceis pelos quais passei. Conheci muita gente e procurei aprender com todas elas, seja através de um comentário feito, gesto observado ou sapo engolido. Tudo na vida serve como aprendizado para que a gente venha se tornar uma pessoa melhor.

O pacote de benefícios que você obtém trabalhando como Limited Licensed Dentist em um dos muitos Community Health Centers do Estado de Massachusetts varia de lugar para lugar. No meu caso, eu fiquei surpreso com a possibilidade de – na época – poder tirar 4 semanas de férias e ainda ter direito a – também na época – 13 feriados nacionais. Isso somado a convênio de saúde, odontológico, aposentadoria e seguro de vida. Mais do que isto, quando eu comecei eu tive um salto no meu salário onde este literalmente quadruplicou, quando comparado ao que eu ganhava como Sales Associate na extinta, mas sempre saudosa, Filene’s Basement.

         Há dois anos se você me perguntasse onde eu estaria nos próximos cinco anos, eu diria que estivesse fazendo o que eu estou fazendo, vendo minha filha ingressar no último ano do High School e levando a minha vidinha simples, feliz e grato por tudo o que estava acontecendo até ali. Mas as coisas tomaram um outro rumo. Estudo, trabalho e entrevistas acabaram oferecendo um outro caminho para quem pensava continuar na inércia de um movimento iniciado há pouco mais de uma década, e agora eu começo a ver mudanças. Deixar a zona de conforto pode parecer um grande passo na nossa vida. Isso pode funcionar para alguns. Para outros não ficar parado é o que os motiva a continuar seguindo em frente; a busca por novos desafios, novas conquistas e oportunidades. Este pode ser o combustível necessário para que uma mudança definitiva aconteça na nossa vida.

A administração do tempo durante a nossa atividade profissional é uma coisa muito importante para se ter em mente. Assim como o seu tempo é precioso e deve ser bem utilizado a fim de demonstrar habilidade de produtividade, o tempo do seu paciente também é muito importante e ele irá considerar a continuação do seu tratamento com você na medida em que ele não sinta estar perdendo o tempo dele consultando com você.

Sentado na frente do computador e pensando sobre o que eu poderia escrever a respeito do meu trabalho como Dentista graduado fora dos Estados Unidos... Se eu pensar que em menos de mil dias este título deixará de existir, talvez eu devesse continuar ad eternum a contar e descrever sobre esta grande oportunidade que um dia me foi dada.

Viver em um país diferente carrega em si a necessidade de vivenciar a cultura local. É difícil imaginar viver em um país diferente, com um idioma diferente, modos diferentes dos nossos e ainda assim obter sucesso. Alguns irão dizer que conhecem um amigo ou conhecido, ou mesmo o amigo de um conhecido que não se curvou à cultura local e ainda assim conseguiu subir a escada do sucesso. Pouco provável. A história provavelmente não foi contada na sua integridade, mas acho que o benefício da dúvida sempre irá prevalecer.

Os dias vão passando e a contagem regressiva para o início das aulas continua dentro da minha cabeça. Haverá um dia quando eu vou pensar: “Onde é que eu estava com a cabeça? Tanto trabalho para fazer, prova toda semana e paciente para ir atrás. Quando eu estava trabalhando era só chegar na hora, fazer meu trabalho e ir embora. Eu era feliz e não sabia...”. Claro que nem tudo é o que parece, mas só que desta vez eu vou estar preparado.

Existe um termo em inglês que particularmente nunca consegui encontrar uma tradução em português que pudesse trazer à tona o significado da sua intenção. “Cautionary tales” são histórias que se contam para que você fique alerta sobre situações que acontecem ou podem acontecer no dia a dia, a fim de deixar você alerta. Eu gostaria de contar uma história que aconteceu comigo e espero que não aconteça com você ou com mais ninguém.

            Com pouco menos de seis meses para o início das aulas dúvidas sobre um dos aspectos mais desafiadores em fazer parte do grupo de alunos da Boston University Henry M. Goldman School of Dental Medicine ainda paira no ar. Como é que eu vou pagar por este programa? De onde virá o dinheiro? Qual o valor que eu tenho que pedir para ter o mínimo para viver enquanto estiver na Escola?

            De uns anos para cá eu tenho acompanhado o programa Pânico da Jovem Pan. Não tanto pelo humor, mas mais pela informação bem-humorada o início do programa sempre tem um apanhado geral do que está acontecendo no Brasil e no mundo. Eu gosto do Emilio Surita, acho ele um grande comunicador, acho engraçado as vinhetas que o Rogério Morgado coloca no meio da notícia e algumas entrevistas são interessantes. Não vou dizer que sou fã incondicional do formato com que o programa tomou, mas para passar o tempo eu acho um programa até que legal.