Dr. João Antonio Costa

Olá!

Bem vindo ao nosso blog. Aqui eu conto um pouco sobre minhas experiências dentro da Odontologia nos EUA e o Processo de Validação do Diploma de Odontologia nos EUA e minha jornada dentro da Boston University Henry M. Goldman School of Dental Medicine.

Espero que você aprenda bastante!

Cultura

Cultura

           Viver em um país diferente carrega em si a necessidade de vivenciar a cultura local. É difícil imaginar viver em um país diferente, com um idioma diferente, modos diferentes dos nossos e ainda assim obter sucesso. Alguns irão dizer que conhecem um amigo ou conhecido, ou mesmo o amigo de um conhecido que não se curvou à cultura local e ainda assim conseguiu subir a escada do sucesso. Pouco provável. A história provavelmente não foi contada na sua integridade, mas acho que o benefício da dúvida sempre irá prevalecer.

            Calibração cultural foi um termo que aprendi não tem muito tempo. Um termo que se explica por si só e que é de importante compreensão uma vez que o seu desejo seja imigrar para qualquer país que seja, a fim de ter uma mudança definitiva de vida. Não dá para dizer que alguém decide mudar de país como uma tentativa de mudança. Esse tipo de alteração na vida geralmente deve vir com um plano muito bem-criado, estruturado e com alvos exequíveis mesmo que eles sejam numerosos. Crie uma lista, risque os que foram alcançados e não, nunca olhe para trás.

            Muito bem, neste processo de calibração cultural eu mesmo passei por uma mudança muito grande de paradigma. O assunto parece besteira, mas eu gostaria de compartilhar aqui uma coisa que para mim sempre foi proibida, execrável e até mesmo profana e que aqui nos Estados Unidos é a coisa mais normal do mundo: tatuagens.

            Eu cresci em uma tradicional família cristã. Desde o berçário eu fiz parte do rol de alunos da Escola Bíblica Dominical. Na verdade meu avô fez parte deste mesmo grupo desde a sua infância e seu sempre tive orgulho de fazer parte da terceira geração de membros daquela Igreja. Ali foi que eu aprendi os caminhos de Deus, vivenciei meus melhores dias de infância e adolescência, fui batizado, fui aluno, dei aula, casei-me, tornei-me Diácono e Secretário da Mesa Administrativa. Isso tudo para dizer que eu cresci no melhor lugar da cidade para ter a minha formação, personalidade e caráter formado. Aprendi a amar a Deus, crer no Senhor Jesus e alicerçar a minha fé, podendo transmitir isso agora para minha filha e compartilhar com as pessoas com quem eu vivo.

            Muito bem, eu cresci entendendo que tatuagens não eram coisas muito boas, ou muito bem interpretadas pela sociedade local – eu digo a minha Igreja em si. Mais do que isto, tatuagens durante a minha infância e juventude era um sinal de revolta, ruptura e rebeldia. Tatuagens eram o sinal visual de que você fazia parte do mundo do crime, porque somente condenados pela justiça tinham seus corpos desenhados e pintados com qualquer motivo que fosse. Eu mesmo se chegasse com uma tatuagem onde quer que fosse pelo corpo eu seria considerado a ovelha negra da família, o desgosto dos meus pais e o mau elemento da escola.

            Eu nunca me considerei um rebelde per se. Eu sabia que qualquer ato de rebeldia eu teria meu leme muito bem orientado pela disciplina rígida dada pelos meus pais. Nunca reclamei de qualquer bronca ou outra forma de correção que me foi aplicado. Tudo o que aconteceu em termos de disciplina tenho certeza de que foi de maneira merecida. Eu nunca me vi procurando um estúdio de tatuagem a fim de questionar a autoridade vinda de casa, além do quê, eu sempre ouvi que doía demais e eu não estava disposto a correr o risco de fazer alguma coisa que doesse tanto simplesmente para afrontar o pessoal de casa. Além de ser coisa de louco.

            Aqui nos EUA eu vi que ter uma tatuagem não é grande coisa. Na verdade, você acaba sendo o diferentão quando não tem uma. Eu acho que algumas são até bem bonitas, claro que desde que feita pela pessoa certa. Algumas realmente são de se jogar fora e outras são para se admirar. Eu aprendi, por exemplo, que você não precisa se sentar por mais de 3 horas no estudo de tatuagem se você não quiser. Você pode iniciar o processo fazendo o traçado da imagem que você escolheu. Posteriormente você volta para iniciar a coloração caso seja o que você tenha escolhido colorizar o desenho. Eu tenho um amigo que fez o traçado de uma tatuagem no seu antebraço há 3 ou 4 anos. Está lá, pronta para receber cor. Ele disse que na sua próxima viagem até Toronto, Canada, onde ele iniciou o processo ele terminará. Sem pressa.

            Os desenhos escolhidos são muito particulares. Os ramos, pombas, caveiras, dragões, flores, facas, motocicletas, pin up models... qualquer coisa pode ser motivo para fazer um desenho no corpo. Sempre alguma coisa que remeta a uma lembrança, um significado ou um motivo fútil qualquer. Não importa. Por aqui, ninguém te julga pela tatuagem que você tem.

            Nesta semana durante um exame clínico um paciente chamou a minha atenção para uma tatuagem feita no interior do lábio inferior. Eu já tinha visto antes e confesso que sempre que vejo uma no lábio inferior eu me pergunto sobre o quão dolorido aquele procedimento foi. Eu não perguntei diretamente ao paciente, mas conversando com a minha assistente no dia, eu comentei o quão doloroso foi aquele paciente ter feito a tatuagem que ele fez. Ela respondeu: “Nem dói tanto assim”. Eu perguntei: “E como você sabe disso?” com uma testa franzida realmente surpreso com aquela informação. “Eu tenho uma”, ela falou com a maior naturalidade do mundo. “Sério mesmo?” eu perguntei. “Você se dispôs a pagar para alguém tatuar o seu lábio?”.

            Bom, conversa vai conversa vem, ela disse que seu namorado na época disse que faria uma também caso ela fizesse e que ele estaria disposto a pagar pelo trabalho. Aquela idéia de que “de graça até injeção na testa” funcionou muito bem para ela porque de graça ela conseguiu uma tatuagem no lábio. Ela, então, começou a falar sobre todas as tatuagens que ela tem. Os dois braços, suas costas e pernas. Ela começou a descrever os desenhos, o que significavam e quando chegou na perna direita ela apontou a o lado perna para mostrar o tamanho da tatuagem que ela tinha ali. Antes que ela começasse a descrever eu perguntei o que ela tinha desenhado ali. O problema foi que perguntar isto em inglês dá dupla interpretação porque ao mesmo tempo que você tem a idéia de perguntar o que foi desenhado, dá-se o sentido do que se tem ali. Quando eu perguntei para ela para saber o que estava desenhado na lateral da sua pernaela estava com a mão sobre o local, próximo ao bolso da sua calça. Sem pestanejar ela respondeu: Eu tenho absorvente interno.

            Eu parei por um segundo enquanto ela estava falando eu pensei comigo mesmo: “Caramba... esse povo tem uns gostos diferentes mesmo... se fazer tatuagem para mim é maluquice, tatuar absorvente interno na perna acho que é o maior sinal de rebeldia que eu já vi na vida”. Eu falei: “Pera um pouco! Você tem o que ai do lado?” – perguntando ainda sem entender muito bem o que ela tinha respondido, e ela retrucou a mesma coisa. Foi então que eu perguntei: “Mas porque você tem absorvente interno tatuado na perna? Foi promessa, aposta... isso é sério mesmo?”.

            Quando ela entendeu o que tinha falado e a informação chegou até o seu sistema límbico, ela parou e começou a rir – claro que muito envergonhada – de ter dado muito mais informação do que o necessário. Eu saí de perto rindo e pensando que mais do que coragem de fazer uma tatuagem, às vezes é preciso ter a audácia de oferecer informação completamente desnecessária para terceiros.

            Quando nos EUA, não se admire quando ver na rua pessoas portando seus corpos como telas de arte. Algumas realmente são de se admirar, outras são para chorar, mas entenda que por qualquer motivo que seja espere antes de fazer julgamento de causa antes de saber que o que para nossos olhos é profanação, para outros é somente uma demonstração de arte.

            Um abraço e sucesso sempre!

Não Desista.

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Dias Diferentes

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