Dias Diferentes
Os dias vão passando e a contagem regressiva para o início das aulas continua dentro da minha cabeça. Haverá um dia quando eu vou pensar: “Onde é que eu estava com a cabeça? Tanto trabalho para fazer, prova toda semana e paciente para ir atrás. Quando eu estava trabalhando era só chegar na hora, fazer meu trabalho e ir embora. Eu era feliz e não sabia...”. Claro que nem tudo é o que parece, mas só que desta vez eu vou estar preparado.
Muita coisa mudou nestes vinte e cinco anos desde que deixei a Faculdade de Odontologia de Taubaté. Deixa eu reformular: Muita coisa deve ter mudado nestes vinte e cinco anos que deixei a Faculdade de Odontologia de Taubaté. Uma das coisas que deve ter mudado foi o ambiente hostil que todos os calouros passavam quando dos primeiros dias de aula. Eu me lembro do terror que era estar congregado com todos os colegas de classe – onde ninguém se conhecia ainda – de portas fechadas dentro de uma sala de aula no prédio da Faculdade de Medicina e uma multidão de alunos do segundo ao quarto ano gritando canções de repúdio e desprezo aos novos alunos.
Cada um de nós sabia que colocar os pés para fora daquela sala de aula significaria ainda mais humilhação. Naquele dia um de nossos colegas disse que a classe precisava se unir e ir de encontro com cada um daqueles selvagens que pediam “sangue de calouro”. O que ninguém esperava era que este mesmo que sugeriu a união entre todos foi o primeiro a fugir na primeira oportunidade que teve. Não tiveram o seu sangue, mas ele não levou o respeito de ninguém com ele.
Eu tive a oportunidade de ver o uso de trote em alunos do primeiro ano desparecer ano após ano. Creio que a minha turma tenha sido a última que ofereceu corte de cabelo, assassinato de formigas com gritos, sutiã por cima da camisa, barro pelo corpo, rostos e corpos pintados e pedágios nas ruas da cidade. Os alunos do segundo ano – quase que na sua maioria – fazia questão de estar na frente da escola no primeiro dia de aula. Afinal a busca naquele dia era de vingança pelo que todos passaram no ano anterior. Os alunos do terceiro ano eram os mais sádicos, pois o sentimento de vingança ficara no ano anterior e agora era somente malvadeza pura. Os do quarto ano só queriam que o ano acabasse logo e davam apoio a alguns calouros, ideias para os do segundo ano e risadas com outros do terceiro ano.
Eu percebi que o ambiente de trote começou a mudar durante o meu último ano da faculdade. O dia do trote já não era mais aquele momento esperado por todos. Uma resolução baixada pelo chefe do departamento na época excluiu o trote comumente reconhecido por tinta no corpo, cabelo raspado e humilhações explícitas pelo chamado trote solidário, onde cada novo aluno deveria trazer um quilo de alimento não perecível para ajudar uma instituição filantrópica. Mas mais do que esta “afronta” contra a tradição de anos, foi ter que engolir um calouro metaleiro com o cabelo pela cintura não ter a sua integridade física tocada e o seu cabelo devidamente raspado porque aquilo iria causar um trauma emocional muito grande sobre ele.
Quando eu vi isso acontecer eu joguei as mãos para cima e desisti. Nunca imaginei que o mundo todo estaria migrando para este novo momento onde a juventude fica cada vez mais sensível e o mundo cada vez mais chato. Foi quase como que um tapa na cara quando o metaleiro chegou na segunda ou terceira semana de aula com o cabelo bem cortado e aparado olhando com desdém para todos os demais alunos veteranos como que dizendo: “hahahaha, seus trouxas! Foi a minha mãe quem cortou o meu cabelo!”.
Julgamentos pré-concebidos aparte eu sei que os dias de hoje são muito diferentes de antes. O ambiente escolar também mudou. Por mais que eu queira imaginar que o programa de Advanced Standing Program seja como que uma pós-graduação, ele não seria visto como tal aos olhos dos Dentistas e instituições de ensino locais. A diferença entre este programa e os demais (Advanced Education in General Dentistry (AEGD), General Practice Residency (GPR) ou mesmo Residency em alguma das áreas de Especialidade reconhecidas pela American Dental Association (ADA)) é o reconhecimento em nível nacional do curso que você completou. Como já dito aqui centenas de vezes o ASP é a única forma de Dentistas graduados fora dos Estados Unidos terem a liberdade de exercer em qualquer Estado Norte-Americano.
Lembre-se que ninguém é melhor que ninguém porque fez um curso diferente do outro, ou deve se considerar melhor que ninguém porque completou a sua residência em algum lugar diferente. No final das contas todos são merecedores de todo o crédito por terem alcançado o objetivo traçado. Por isso que é muito importante ter em mente uma estratégia correta elaborada individualmente. Confesso que no meu caso, a minha estratégia não foi muito bem delineada no início (aplicar para Residência em Endodontia. Bateu na trave, mas foi uma boa experiência), mas eu estou feliz e satisfeito por saber que hoje eu estou no caminho certo. Ao contrário de alunos recém-formados que buscarão uma pós-graduação depois de concluir o curso de quatro anos, eu vou ter como bagagem um quarto de século de experiência profissional que me dará um profundo alicerce para construir um futuro duradouro.
Um abraço e sucesso sempre!