Dr. João Antonio Costa

Olá!

Bem vindo ao nosso blog. Aqui eu conto um pouco sobre minhas experiências dentro da Odontologia nos EUA e o Processo de Validação do Diploma de Odontologia nos EUA e minha jornada dentro da Boston University Henry M. Goldman School of Dental Medicine.

Espero que você aprenda bastante!

15 Anos, 1 semana, 4 dias

15 Anos, 1 semana, 4 dias

           Aquela tarde de Setembro de 2021 foi um divisor de águas. Enquanto no trabalho, eu recebi a ligação telefônica do meu irmão Marcos que mora em Calgary no Canadá. Sai da área de trabalho onde eu estava e me dirigi para saída dos funcionários onde eu poderia ter um pouco mais de privacidade, mesmo que ninguém com quem eu estava compartilhando o espaço pudesse compreender o assunto discutido. A notícia foi bombástica! Ele tinha sido aprovado no exame INBDE, exame este oferecido pela Joint Commission of Dental Accreditation, instituição que rege e aplica o exame de conhecimento odontológico necessário que todo o Dentista norte-americano deve realizar e obter aprovação.

            Eu tive duas reprovações neste exame na época em que ele era dividido em duas partes, o NBDE parte I e II. Eu sabia que se eu obtivesse a aprovação – pelo menos na primeira parte do exame – eu seria elegível ao ingresso em alguns programas chamados Advanced Standing, dedicado exclusivamente a Dentistas graduados fora dos EUA e que ofereceria um Diploma reconhecido em nível nacional. A mudança deste exame constituído de duas provas para uma única prova acabou sendo muito mais atrativa porque primeiro não seria necessário me debruçar extensivamente em assuntos tão básicos, difíceis e já esquecidos sobre a enzima que age sobre a mitocôndria da célula hepática. O perfil da prova do INBDE traria a necessidade de saber que tal célula existe, mas com uma aplicação clínica mais coerente com o dia a dia do trabalho odontológico. Naquele dia eu estabeleci uma meta. Eu iria me preparar para a prova e estava determinado a passar.

            Essa determinação sempre ficou na minha vontade, porque eu dizia que a vida que eu levava estava boa. Eu tinha um bom trabalho, em um excelente local, equipe treinada e competente, agenda cheia, suporte pessoal, salário e o conforto de ter os meus finais de semana sem qualquer preocupação inerente à minha atividade. Eu dizia que eu tinha vontade de ser aprovado neste exame porque eu teria a oportunidade de dizer que, mesmo não tendo sido graduado nos EUA, eu tinha cumprido todos os requerimentos em termos de exame que um Dentista americano tem. Seria algo como uma conquista pessoal. Eu não pensava em ser aprovado neste exame para buscar nada além de um objetivo pessoal. Foi então que tudo começou a mudar.

            A aprovação veio em Março de 2022. Seis meses depois daquele telefonema eu recebi a mensagem de que eu tinha sido aprovado. Foi uma festa! E que festa! Que grande vitória! Eu consegui chegar a um lugar que eu não imaginava conseguir alcançar. Naquele momento eu estava quase que flutuando, não fosse o excesso de peso que me prende no chão. Se não fosse a força da gravidade, certamente eu teria ido até a lua e voltado. Muito bem. Objetivo alcançado. Muito bem... então..., mas, e agora? Qual o próximo passo? Não tinha outro passo. O que eu queria para mim era a aprovação, o chamado PASS, a certeza de que eu era tão capaz quanto qualquer outro Dentista americano. De novo, eu tinha trabalho, agenda cheia, casa, conforto, reconhecimento por parte dos pacientes, uma equipe excelente para trabalhar, mas da mesma forma como se eu tivesse chegado a uma esquina, a aprovação neste exame me capacitou a como que olhar para o lado, por trás deste muro que esta esquina me levou e perceber que uma outra avenida estava na minha frente. Eu poderia parar ali onde eu estava ou decidir virar aquela intersecção e continuar andando.

            Por mais feliz e satisfeito que eu estivesse no trabalho eu tinha consciência de que eu estava estagnado. Eu não tinha mais nenhuma outra oportunidade de crescimento dentro da companhia e que me pudesse sentir desafiado e motivado a continuar andando. A única forma para que isto acontecesse seria deixar esta estagnação e buscar novamente uma oportunidade dentro da Academia Odontológica nos Estados Unidos. Era preciso voltar para a Escola e, de posse da aprovação no exame INBDE eu sabia que tinha o que era necessário para aplicar para programas de pós-graduação como residências dentro das especialidades da Odontologia. E para onde ir então?

            Depois de quase vinte e cinco anos trabalhando com clínica geral, eu pensei que seria interessante dedicar entre dois ou três anos de estudo mais aprofundado dentro da especialidade com quem eu sempre me identifiquei. A Endodontia sempre me acompanhou lado a lado durante meus anos depois de formado. Eu tenho consciência de que tive uma formação absolutamente excelente e que me deu o conhecimento teórico e pratico necessário para resolver mais de 80% dos casos que chegavam até mim. A decisão de buscar a residência em Endodontia abriu-me as portas para algumas experiências que eu vou levar para a vida toda. Uma delas foi a noção de que tornar-se um Endodontista nos Estados Unidos é muito mais difícil do que se imagina. Outra coisa foi que se você não tiver um histórico acadêmico exemplar no seu país de origem as suas chances são muito menores do que quem já tem especialização, mestrado e doutorado na área. Pode parecer uma coisa óbvia, mas na época eu imaginava que os anos de trabalho no Brasil e dedicados ao mesmo Community Health Center por quase quinze anos pudessem ter alguma chance. Bom... foi quase. Eu consegui uma posição em uma lista de espera na conceituado University of North Carolina. Bateu na trave e quase que foi gol.

            Vestindo a capa da frustração, e por saber que eu tinha todas as condições para ser aceito por tão prestigiado programa, demorou um pouco para eu assimilar o golpe e entender que não era mesmo para eu mudar definitivamente para o sul do país. Além do que, sem qualquer desmerecimento ao programa e sua liderança, eu entendi que o programa em si estava passando por um processo de transição. Totalmente compreensível, haja visto que a nova liderança em poucos meses iria tomar posse e o Diretor do Programa designado para o trabalho de maneira temporária não queria deixar pontas soltas durante a transição.

            Conforme os dias foram passando e a minha resignação crescia dentro de mim, eu comecei a tomar maior controle do meu dia a dia no trabalho. Um pequeno acordo feito com um colega colocou-nos em posições diferentes dentro da nossa atividade ali, onde ele sem muito desejo de fazer procedimentos cirúrgicos e eu sem muito desejo de fazer procedimentos de prótese total e prótese parcial, concordamos em enviar pacientes um para o outro. No caso de existir próteses parciais ou totais imediatas, trabalharíamos juntos para que ele fizesse o planejamento e execução da prótese e eu a parte cirúrgica. Foi o início de uma dupla muito eficiente e o despertar de um sentimento que há algum tempo eu não sentia. Digo isto, porque eu comecei a perceber que a restrição da minha atividade focando somente em Endodontia talvez não trouxesse a satisfação que eu teria se pudesse englobar mais o meu leque de ação. O sentimento de busca ao Advanced Standing oferecido pela Boston University voltou a crescer, mas agora com a certeza de que era aquilo mesmo que eu queria para mim.

            A princípio a minha intenção era fazer o envio da aplicação para a Boston University no ultimo dia da inscrição, a saber, dia 15 de novembro. Em conversa com uma amiga, ex aluna do programa, ela sugeriu que eu enviasse já, porque mesmo que a UNC me chamasse eu teria duas oportunidades concretas de ser chamado. Um mês antes do que eu havia programado, enviei a documentação, paguei as taxas necessárias e esqueci.

            Passou Natal, Ano Novo, alguns acontecimentos fora do esperado em nível pessoal e no final da primeira semana de janeiro eu recebo um e-mail da Boston University dizendo que eu tinha sido selecionado para uma entrevista. Bora fazer pesquisa sobre o programa, professor que fará a entrevista, história da faculdade, tudo para me preparar para esta conversa que poderia mudar o rumo da minha vida. A primeira coisa que eu fiz foi contar para minha esposa, depois eu contei para a minha Diretora para que ela pudesse me dar autorização para fazer a entrevista no computador do trabalho, uma vez que todas as entrevistas vinham sendo conduzidas via Zoom.

            No dia da entrevista eu fui para o trabalho com a minha melhor roupa. Foi um escândalo. Camisa social e gravata? Terno completo? Para quê isto se eles só vão ver você da metade do corpo para cima? Integridade. Foi o que eu respondi. Qual o motivo para não participar de maneira completa e integral de uma entrevista tão importante? Foram quarenta a cinco minutos de uma conversa tranquila com dúvidas e respostas vindas de ambos os lados. Ao final da entrevista eu tive a consciência de que tinha feito o meu melhor e dali para frente tudo estava fora do meu alcance.

            Tanta gente que esteve comigo durante este projeto continuou bem próximo, fazendo um acompanhamento minucioso de cada passo que eu dava. Sempre me senti muito bem amparado, tanto por amigos como pela família. Muita gente em intercessão e em oração para que a vontade de Deus se cumprisse neste projeto que eu coloquei para mim. Confesso que, depois de muitos anos, ainda tenho muito que aprender sobre fé e o exercício dela na minha vida. É muito difícil você imaginar que por mais e melhor que a gente trabalhe e se esforce, alguma coisa pode dar errada. Este é o problema, porque quando a gente entrega as coisas nas mãos de Deus, nada do que acontece na nossa vida acontece de maneira errada. É difícil entender a grandiosidade desta afirmação quando se ouve de um terceiro, ao invés de viver esta experiência.

            Pouco mais de um mês depois da entrevista e com acompanhamento muito próximo da minha caixa de e-mails, finalmente eu recebi uma mensagem da Boston University. Quando eu vi que era mensagem deles, o meu coração pulou! Seria carta de aceitação? Seria carta de rejeição? O não eu já tinha, e para isto eu estava preparado. O sim, eu sabia que me levaria a um espiral de mudanças aos quais eu já vinha me preparando, preparando minha família e a diretoria no trabalho. Tudo estava pronto e o rolar daquela página no meu telefone definiria tudo!

            A mensagem:

            “…while your credentials are strong, we are not able to offer you a space in the DMD Advanced Standing Program's Class of 2025 at this time.

            However, you have been placed on the waitlist for entry in July, 2023”… 

            A tradução:

            “… enquanto suas credenciais são fortes, nós não podemos oferecer uma vaga para você no programa DMD Advanced Standing da Classe 2025 neste momento.

            Todavia, você foi colocado em uma lista de espera para entrar em Julho 2023”...

            Outra lista de espera?! Eu tinha me preparado para um não e um sim. Lista de espera realmente não fazia parte deste pacote de respostas esperadas. Não mesmo! Segunda vez a mesma coisa? Não seria melhor eu ser rejeitado e correr atrás de outro programa? Aparentemente não. O mesmo sentimento de frustração que aconteceu no ano anterior voltou com força. Eu queria chorar. Minha esposa sempre calma, dizia para que eu não desanimasse e que ela continuaria firme em oração até que o resultado chegasse. Mas e se esta resposta demorasse muito? Eu não queria ter que ficar pendurado no limbo, sem saber para onde ir e o que fazer. Uma das minhas preocupações era como fazer uma transição sem problemas com os pacientes que eu venho atendendo nos últimos 15 anos. Eu não gostaria de abandonar o trabalho, deixando a companhia e os pacientes sem o devido cuidado necessário e tempo para que pudessem selecionar uma outra pessoa para tomar o meu lugar.

            Não vou dizer que eu chorei, mas eu estava abatido e isto era muito claro no meu semblante. Eu não consigo esconder, por mais que eu queira. Aquela reposta para esperar me pegou desprevenido. Não tinha como não esconder a frustração e o fato de ficar neste chove não molha era muito frustrante e desafiador. O dia seguinte foi de muita conversa com minha esposa, meus pais e amigos que vêm me acompanhando durante todo este processo. Um dia de cada vez, era o que me diziam, e hoje é o que eu digo para todos, porque no dia seguinte, 48 horas depois do e-mail dizendo que não teriam uma vaga para mim, o tão esperado e-mail chegou.

            Depois de 15 anos, 1 semana e 4 dias como Dentista trabalhando no mesmo Community Health Center, lugar onde eu aprendi a ser e viver uma Odontologia como eu nunca imaginei na vida, eu tive o meu nome selecionado para fazer parte do quadro de alunos de uma das mais prestigiadas instituições de ensino dos Estados Unidos. Uma vitória sem precedentes, que somente será superada pelo dia da formatura, que acredite ou não, já tem data marcada: dia 25 de agosto de 2025.

            Foi uma jornada dedicada para cada um daqueles que vêm me acompanhando nestes últimos anos aqui no blog. Um prazer imenso poder compartilhar da minha vida e experiências dentro da minha atividade profissional, mas isto não é o fim. Quero que este momento se torne um momento de renovação onde quero poder trazer a minha experiência dentro da Faculdade, contando cada experiência que passar por ali, mostrando que é possível, sim, um Dentista Brasileiro exercer a Odontologia nos Estados Unidos.

            Um abraço e sucesso sempre!

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Tudo o que precisamos é um pouco de paciência

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