Walk the walk
De uns anos para cá eu tenho acompanhado o programa Pânico da Jovem Pan. Não tanto pelo humor, mas mais pela informação bem-humorada o início do programa sempre tem um apanhado geral do que está acontecendo no Brasil e no mundo. Eu gosto do Emilio Surita, acho ele um grande comunicador, acho engraçado as vinhetas que o Rogério Morgado coloca no meio da notícia e algumas entrevistas são interessantes. Não vou dizer que sou fã incondicional do formato com que o programa tomou, mas para passar o tempo eu acho um programa até que legal.
Há alguns anos um entrevistado estava falando sobre a presença ou o aprisionamento de um famoso integrante da máfia italiana no Brasil. Além da discussão sobre ser certo ou não a extradição do mafioso de volta para a Itália, o Emílio fez um comentário que me chamou a atenção. Ele disse que qualquer um que esteja vivendo em um país diferente acaba se tornando a pessoa mais agradável do mundo. Independentemente se ela tem um passado sombrio, criminoso ou psicopata, qualquer pessoa que viva em um país diferente acaba sendo conhecida como uma pessoa de fácil manejo, agradável com todos e simpático com estranhos.
Eu achei este comentário muito verdadeiro porque eu passei por este processo de simpaticidade – se é que esta palavra existe. Mesmo eu não me considerando um psicopata, criminoso ou mau caráter, o que ele trouxe à tona faz todo o sentido. Infelizmente quando a gente deixa a nossa zona de conforto, nossa cidade, estado, país, família e se vê sozinho no mundo sem ter ninguém próximo com quem contar, as nossas barreiras acabam caindo, sendo literalmente derrubadas por nós mesmos, a fim de conseguir aceitação pelos que nos rodeiam. Conto a minha história.
Meu primeiro trabalho aqui nos Estados Unidos aconteceu algumas semanas antes da data do meu retorno ao Brasil em 2007. A data marcada para retorno era dia 15 de novembro e se eu não conseguisse nenhuma forma de permanecer nos EUA eu teria que me declarar vencido e voltar com o rabo entre as pernas para o Brasil. Cerca de três semanas antes da data de retorno eu estava sendo contratado como Sales Associate no que é agora uma extinta loja de ponta de estoque que vendia de roupas a objetos de decoração para casa. Este primeiro trabalho, na verdade, abriu-me as portas para minha permanência nos EUA não para usar do meu conhecimento odontológico, mas para que eu pudesse traduzir ordens da gerência para um de seus funcionários, que era brasileiro e não falava um “a” em inglês. Até hoje eu me pergunto como foi que ele conseguiu o trabalho ali, mas sei que foi esta situação inusitada que permitiu que eu seguisse meus dias aqui nos Estados Unidos.
De qualquer forma, meus dias ali foram muito proveitosos. Eu aprendi muito sobre como lidar com clientes, funcionários e o meu aprendizado do idioma melhorava dia após dia. Por mais que eu quisesse me mostrar prestativo e pronto para ajudar, o perfil estoico de alguns colegas de trabalho acabaram me fazendo abrir coisas pessoais a fim de que eu me sentisse acolhido por eles. E justamente nesta parte foi o que o Emilio comentou durante o programa, quando ele disse que a pessoa que é durona, queixo duro e às vezes até mesmo temida no seu lugar de origem, acaba sendo um cordeirinho que expõe um lado doce e sentimental no meio onde ele quer ser bem recebido.
Se você está para vir para os Estados Unidos ou qualquer outro país diferente do de onde você se encontra, lembre-se que este sentimento de aceitação irá permear o seu dia a dia até o momento em que você se sinta em casa. Isto pode demorar um pouco, dependendo do ambiente onde você pretende permanecer. Caso você sinta necessidade de se fazer querido(a) pense muito bem no que você vai abrir para os outros em termos de informação pessoal. Às vezes pode ser muito atraente falar de coisas que possam parecer inofensivas divulgar para terceiros, mas lembre-se que o que você fala não tem como voltar atrás. Não invente histórias mirabolantes, mentiras e situações pelas quais você nunca vivenciou. Uma coisa que os americanos têm em comum é um certo grau de confiança naquilo que você conta para eles. Se houver qualquer sentimento de empatia por parte deles, eles irão reter aquilo mesmo que seja o maior absurdo que você pudesse contar. Cuidado com o que você fala porque você será responsável por tudo o que você disser.
Se você tiver a oportunidade de recomeçar a sua vida nos EUA, venha com a mente aberta para aprender sobre a nova cultura, pessoas e quem sabe novos hábitos. Fique, no entanto, consciente sobre o que você irá compartilhar com as pessoas ao seu redor. Eu ouvi do meu irmão que sempre teve experiência com estudantes de intercâmbio que o americano não é muito de compartilhar da sua vida, é reservado e algumas vezes difícil de obter sua confiança, mas quando isso acontece, você se torna um membro da família. Seja fiel aos seus princípios e condizente com sua palavra. Walk the walk and talk the talk.
Um abraço e sucesso sempre!