Dr. João Antonio Costa

Olá!

Bem vindo ao nosso blog. Aqui eu conto um pouco sobre minhas experiências dentro da Odontologia nos EUA e o Processo de Validação do Diploma de Odontologia nos EUA e minha jornada dentro da Boston University Henry M. Goldman School of Dental Medicine.

Espero que você aprenda bastante!

Dura verdade

Dura verdade

            O ano de 1996 começou para mim com a promessa de ser um dos anos mais difíceis dentro da Faculdade de Odontologia da Universidade de Taubaté. Matérias como Diagnóstico Bucal, Prótese Fixa e Periodontia nem de longe se comparavam com o stress, desespero e medo colocado pela disciplina de Endodontia. Quem cursou o programa nesta década de 90 – e antes também – sabe exatamente o que eu quero dizer. Abraços Anderson!

            Meu primeiro contato com a matéria de Endodontia aconteceu logo no primeiro ano da Faculdade – 1994 – quando o professor de Anatomia Odontológica Desenho e Escultura do Dente, professor Sylvio Simões procurou alguns alunos para participarem de um projeto que ele estava desenvolvendo sobre a anatomia interna dos dentes. O trabalho para os alunos seria fazer uma pesquisa sobre a anatomia interna dos canais radiculares e suas variações. Ele mesmo estaria responsável pelo desenvolvimento do processo de diafanização dos dentes, processo este que consistia em descalcificar os dentes a fim de torná-los transparentes e ser possível observar a sua anatomia interna. O processo é mais ou menos simples: Você acessa a câmara pulpar, injeta nanquim dentro do dente, coloca eles em uma centrífuga e usa soluções químicas para descalcificar os dentes. Como em um passe de mágica é possível enxergar a forma e trajeto do canal radicular. Este trabalho foi apresentado na Semana Odontológica da Faculdade em 1994 e este recebeu o primeiro lugar como melhor trabalho apresentado. Nada mal para um calouro e seus colegas que participaram do projeto.

            A Endodontia sempre teve um quê de terror entre os alunos. Fosse por conta das provas semanais que eram feitas sobre a matéria dada na semana anterior, fossem pelos chamados “testões de endo” que consistiam em questões de múltipla escolha onde uma questão errada anulava uma questão correta – na intenção de evitar o “chute” – ou mesmo pelo terror propriamente dito ditado por alguns professores que não se mostravam tímidos ou muito menos receosos de fazer alguns alunos chorarem de medo e desespero durante a atividade clínica. Eu sei, por exemplo, de um caso onde uma aluna preparou cuidadosamente sua área de trabalho que deveria ser impecavelmente igual ao que a Disciplina exigia. A exigência era colocada em um desenho gráfico de onde cada componente da mesa deveria estar. Do pote de algodão, grampos e isolamento absoluto, à seringa de irrigação, limas e a caixa de instrumentos. Um certo professor, então, passando para avaliar a montagem da bancada, disse ter visto alguma coisa errada na disposição do material. Ao chegar próximo à aluna, ele pegou a ponta do pano de campo – onde o material era distribuído – começou a puxar lentamente num exercício de terror e suspense dizendo que a aluna tinha 10 segundos para enxergar o que estava errado na montagem da bancada, puxando lentamente a cada segundo que ele contava.

            Claro que nesta hora o desespero, stress, adrenalina e tudo de ruim que existe no mundo toma conta da cabeça da pessoa. A aluna, agora desesperada, implorava para que ele não terminasse a contagem, sabendo que se o material todo caísse no chão ela não poderia ter a sua nota do dia diferente de zero. A contagem regressiva continuava, mas de maneira sádica os números não eram consecutivos. Começou: dez, nove, sete, cinco, quatro, dois, um e no zero o pano de campo estava suspenso, seguro pela mão do professor. A clínica toda parou ouvindo o som de todo o material caindo no chão, o soluço incontrolável da aluna e o professor saindo lentamente do local como se nada tivesse acontecido.

            Terror, cinismo, sarcasmo e medo. Assim foi por muito tempo reconhecida a Endo I na Faculdade. Acredite ou não, eu fiz parte da última turma regida por esta filosofia, mas em nada eu me arrependo de ter sido, também, aluno deste professor.

            Por mais terrorista, sarcástico, cínico e amedrontador que ele fosse, ele tinha como lado positivo a habilidade de ensinar como nenhum professor, até então mostrara capacidade. Suas aulas eram diferenciadas. O conteúdo era pertinente, ele não usava slides, transparências ou apostilas. Ele descrevia casos clínicos, chamava os alunos para pensarem e raciocinarem como Endodontistas e fazia questão de demonstrar que cada um de nós seria capaz de enfrentar qualquer caso clínico ao deixarmos a faculdade, pouco mais de um ano depois. Sua certeza era tanta, que certa vez ele disse que aquilo que estávamos aprendendo ali seria o diferencial no momento que estivéssemos procurando um emprego, pois no momento que os contratantes soubessem que éramos ex-alunos dele, eles saberia que teríamos capacidade de fazer qualquer tratamento endodôntico que nos chegasse às mãos.

            Claro que nem todos partiram para tornarem-se Endodontistas. Alguns colegas meus abominam até hoje a disciplina, mas eu procurei usar destes dois anos que passei ali, aprendendo Endodontia, para poder me diferenciar profissionalmente. A certeza disto veio alguns anos depois quando eu cheguei em um determinado momento da minha vida onde duas possibilidades de especialização apareceram para mim. Uma em Endodontia e outra em Ortodontia. Quando fui conversar com uma amiga – que coincidentemente fora professora do meu professor – sobre qual caminho tomar, ela disse sem pestanejar: “Faça Ortodontia porque você não sabe nada sobre o assunto. Com o que eu sei o que você aprendeu em Endodontia na Faculdade, você não precisa ser Especialista.”

            Não poderia ter um motivo maior para seguir o caminho dos braquetes, fios e alicates. A Ortodontia abriu-me um mundo totalmente novo e pronto para ser desbravado, além de ser considerado maluco por alguns colegas de turma quando sabiam que eu fazia e gostava de Endodontia. Independentemente de qualquer coisa, o fato é que essa aproximação que eu tive com a Endodontia nestes dois anos de Faculdade, fizeram toda a diferença quando eu cheguei aqui nos EUA. Poucos são os Dentistas que têm segurança suficiente para fazer um tratamento de canal. Na verdade, poucos se atrevem a fazer tratamento de canal, talvez por medo, receio ou trauma oriundo de um curso fraco, más experiência clínica ou inabilidade. O fato é que a segurança obtida nos meus dias sob a tutela do terror acabou me diferenciando de uma maneira positiva, quando colegas no trabalho me chamavam para perguntar sobre casos de endo que não tinham segurança para fazer, perguntando se eu me disporia a fazer ou eu sugeriria encaminhar para um Especialista.

            Eu sou muito grato aos grupos de Endodontistas locais. Tenho o prazer de dizer que eu pude cultivar um bom relacionamento com eles, encaminhando pacientes, transmitindo segurança para eles dando a certeza de que a minha inabilidade com alguns casos, seriam prontamente resolvidos por eles que dedicam exclusivamente seus dias para este fim. A segurança que a gente transmite para os pacientes quando a gente demonstra que aquele caso vai além da nossa habilidade profissional mostra que, além da gente reconhecer nossos limites profissionais, a gente demonstra preocupação com eles, encaminhando para alguém com mais competência profissional que a gente. Para os pacientes isto significa muito e, mesmo que nosso brio por vezes fique manchado, não existe nada melhor do que uma noite bem dormida sem precisar se preocupar com um caso malfeito por ter sido mal selecionado.

            Sempre que eu concluo com sucesso um caso de Endodontia eu procuro entrar em contato com meus professores, contando sobre o caso e agradecendo por terem me ensinado o que eu sei. Daquele professor do meu terceiro ano da Faculdade, infelizmente eu não posso mais fazê-lo, porque ele nos deixou depois de um fatal acidente de carro, mas eu carrego dentro de mim algumas palavras de sabedoria que ele deixou, como quando ele disse com pompa e circunstância que dali pouco mais de um ano, ano final do nosso quarto ano de Faculdade deixaríamos de ser alunos de Odontologia para nos tornar desempregados. Dura verdade que agora vai se repetir.

            Um abraço e sucesso sempre!

Força, Fé e Foco

Força, Fé e Foco

Leis da Física

Leis da Física