Dr. João Antonio Costa

Olá!

Bem vindo ao nosso blog. Aqui eu conto um pouco sobre minhas experiências dentro da Odontologia nos EUA e o Processo de Validação do Diploma de Odontologia nos EUA e minha jornada dentro da Boston University Henry M. Goldman School of Dental Medicine.

Espero que você aprenda bastante!

Ebenézer

Ebenézer

            O ano de 2013 seria um ano decisivo para mim na questão de trabalho. Este seria o quinto ano da minha licença limitada em Odontologia no Estado de Massachusetts. Depois desta data eu deveria buscar um programa de revalidação do Diploma – o chamado Advanced Standing Program – em qualquer Universidade que oferecesse o programa ou eu deveria ser aprovado em prova prática nas áreas de Dentística, Periodontia, Endodontia e Prótese.

A primeira opção sempre foi muito atrativa por conta das possibilidades futuras dentro do mercado Odontológico Americano, mas logo de início ela mostrava uma barreira enorme, quase instransponível, que era a primeira fase de uma série de duas provas que me permitiria fazer a aplicação em algum Programa. Entenda-se que fazer a aplicação para algum programa não denota a garantia de estar lá dentro. Ser aprovado nestes dois exames simplesmente me colocaria no mesmo nível dos demais alunos americanos do programa. Ser chamado para cursar o programa era outra história.

            A segunda opção, ainda que se demonstrasse um pouco mais laboriosa, acabou sendo o caminho que eu decidi. Por mais trabalhosa que ela pudesse parecer uma prova prática acabaria sendo mais viável por conta de eu já estar fazendo todas aquelas atividades por mais de dez anos. Sentar-se em um consultório com um paciente para fazer duas restaurações, uma raspagem e, em dentes de manequins fazer um tratamento de canal, uma cirurgia de acesso em um primeiro molar superior direito e dois preparos de coroa seria muito mais tranquilo.

            Mas a primeira opção foi um caminho pelo qual eu procurei passar. E passar literalmente porque para ingressar no Advanced Standing Program da Universidade de Boston eu simplesmente deveria conseguir a aprovação na primeira parte deste exame. (A parte I do chamado NBDE – National Board Dental Examiners – consistia em quatrocentas questões divididas entre as matérias básicas do programa de Odontologia, a saber: Anatomia Geral, Anatomia Dentária e Oclusão, Bioquímica, Fisiologia, Microbiologia e Patologia. Destas quatrocentas questões, cem questões de Anatomia Geral, cem questões de Microbiologia/ Patologia, cem questões de Bioquímica e Fisiologia e cem questões de Anatomia Dentária e Oclusão). Esta primeira parte sempre foi o grande calcanhar de Aquiles para Dentistas estrangeiros que buscavam uma vaga em um programa porque o conteúdo desta prova se baseava em informações que muitos não viam há muito tempo. Lembrar das enzimas do ciclo de Krebs ou os detalhes das fases da mitose, ou as células que compõe o estrato basal da mucosa subgingival do terceiro molar superior esquerdo não seria nada fácil. Não me admira saber que muitos dos que foram aprovados nesta primeira prova dedicavam de oito a doze horas de estudo por dia para conseguir uma nota competitiva, por que sim... até aproximadamente o ano de 2012 a nota obtida no exame era usada para colocar os candidatos no páreo. Simplesmente a aprovação com nota 75 não garantiria a sua chance de ser chamado, se quer, para uma entrevista. As notas competitivas giravam entre 90 e 98. Qualquer nota menor do que estas colocavam a sua aplicação no final da pilha e as suas chances eram praticamente nulas.

            Tudo mudou quando a Joint Commission on National Dental Examiners fez a alteração que tantas pessoas esperavam. O valor numérico do exame deixaria de ser motivo de competição entre os candidatos e o sistema do resultado da prova mudou para PASS ou FAIL. Isso nivelou os candidatos de uma maneira mais uniforme, pois a nota final não seria utilizada para selecionar os futuros alunos de programas como o Advanced Standing.

            A minha primeira tentativa de aprovação no NBDE parte I aconteceu no final do ano de 2011. Eu me lembro bem dirigindo para Boston para ir fazer a prova. Era no final do ano, o canteiro da estrada coberto de neve, um frio de bater o queixo e um local de prova enfiado em um prédio antigo na parte sul da cidade. Confesso não ter sido o local mais atrativo para fazer a prova, ainda mais quando não se conhece nada sobre o lugar para onde você está indo e você acaba estacionando o carro em uma área muito suspeita. Somente mais um motivo de stress para o dia que poderia mudar para sempre a minha vida.

            Nem de longe eu me preparei para esta prova como eu ouvia candidatos que foram aprovados se prepararam. Primeiro porque eu não tinha entre oito e doze horas por dia para me preparar. Bom... talvez tivesse se eu não fizesse o que eu fazia entre a meia noite e seis horas da manhã. Eu trabalhava – e ainda trabalho – em período integral. Mas eu nunca tive uma técnica de estudo eficiente, ainda mais para este tipo de prova. A maior prova, em termos de quantidade de questões prova de Vestibular e nem de longe ela se comparava com esta primeira parte do NBDE. A prova parte 1 do NBDE – como dito anteriormente – era composta de 400 questões. Eu não me lembro de ter uma prova de Vestibular com este número de questões. O Vestibular é uma prova onde o seu conteúdo está dentro de uma parte do cérebro que guarda informações mais recentes – existe uma área assim? – e a dedicação exclusiva dos candidatos no preparo da prova acaba dando uma chance maior de conseguir a aprovação. Na primeira parte do NBDE, no meu caso, eu deveria estudar matéria vista há mais de dez anos – na época – e assuntos que eu não via mais com tanta frequência. Se esta prova fosse sobre assuntos vistos no dia a dia, tudo bem, a história seria outra, mas as informações de rodapé de livro que esta prova pedia fazia dela uma barreira quase intransponível para alguns.

Muitos passaram e eu dedico aqui a minha profunda admiração àqueles que o fizeram na primeira, segunda, terceira e até mesmo sexta tentativa. Nada justifica as minhas duas tentativas fracassadas a não ser a minha própria falta de preparo. Em 2011 e 2019 eu tentei e não passei. Talvez não tivesse me preparado como deveria. O fato é que eu não achava que tinha o que era necessário para passar nesta prova. Depois da segunda tentativa eu decidi deixar a idéia de ser aprovado neste exame de lado. Eu já estava resignado. Voltar para a Faculdade para cursar o Advanced Standing Program não era uma coisa que me atraía, então fiz as pazes comigo mesmo e decidi continuar tocando a vida.

Depois de muitos anos de deliberação a Joint Commission on National Dental Examiners mudou o formato da prova. O NBDE parte I e II mudaria para o INBDE. A grande diferença entre estas provas estava primeiramente em uma única fase dividida em dois dias. Outra diferença foi na quantidade geral de questões. A soma do número de questões da parte 1 e 2 ficava em novecentas (900) e esta prova era dividida em três dias a saber: um dia para a parte 1 e dois dias para a parte 2. O número de questões na primeira parte eram quatrocentas – já dito acima – envolvendo as matérias básicas do curriculum da Odontologia e a segunda parte, dividida em dois dias, mais quatrocentas questões nas áreas de Endodontia, Prótese, Periodontia, Dentística, Ortodontia, Odontopediatria, Ética e Gerenciamento de Pacientes. O segundo dia, cem questões envolvendo casos clínicos. O INBDE mudou para quinhentas questões. Uma redução de quase 45% onde, agora, as matérias clínicas – ou o conteúdo da parte 2 da antiga prova – seriam mais visadas. O início deste novo modelo de prova se deu em agosto de 2020 e aos poucos a aplicação dos modelos de prova parte 1 e 2 começaram a diminuir. A partir de 2021 o NBDE parte 1 deixou de existir e em agosto de 2022 o NBDE parte 2 será definitivamente extinto.

Muito bem. E agora? Para onde vamos depois de tanta história?

Vamos para setembro de 2021.

Meu irmão que mora no Canadá mandou uma mensagem no grupo da família dizendo que ele tinha sido aprovado no INBDE. Eu sabia que ele tinha feito a prova e estava feliz de saber que ele estava buscando esta aprovação. Eu não tinha a menor idéia da sua metodologia de estudo, mas sempre soube que ele estava entre os três melhores de nós três de casa. Afinal de contas ele entrou na USP em Ribeirão Preto e isso certamente dizia muito com relação a sua capacidade. Além do mais, ele já tinha feito dois anos de Engenharia e qualquer um que passe por aulas de cálculo integrado em ambiente acadêmico sempre vai ter a minha admiração. E ele passou no INBDE! Eu fiquei tão feliz por ele! Fiquei feliz porque eu sabia que portar uma aprovação como esta, abriria as portas para que ele também buscasse a chance de um programa de Residência aqui nos EUA. Com esta prova fora da equação ele poderia focar em outras áreas.

Eu sei que pode parecer inveja de irmão, mas a notícia de que ele tinha sido aprovado foi a fagulha que acabou iniciando a minha decisão de buscar, também, a aprovação no INBDE. Como dito antes, eu já tinha feito as pazes com a idéia de não voltar para a Faculdade para fazer o Advanced Standing. Passar neste exame, então, ficaria simplesmente marcado como sucesso pessoal de ter obtido a aprovação em um exame que TODOS os Dentistas nos Estados Unidos necessitam passar. Para mim, ter o resultado positivo nesta prova me colocaria no mesmo nível que os demais profissionais Americanos. Claro que nem se compara portar um Diploma de Odontologia em uma Universidade Americana com a aprovação em uma prova, mas para mim seria uma grande conquista. O meu trabalho sempre me deixou feliz de poder exercer a Odontologia em solo Americano e isso certamente me traria um senso de realização até então inexistente.

Quando eu iniciei meu trabalho no Community Health Center onde eu trabalho eu não tinha idéia do que os anos trariam para mim. Quase quinze anos depois, eu sei que eu me tornei um Dentista melhor, uma pessoa melhor e um profissional com a cabeça aberta, mas com uma limitação que eu não imaginava que poderia existir. Depois de quinze anos na companhia eu atingiria o que eles chamam de “cap”. Este “cap” é o chamado teto salarial e dali eu não obteria mais nenhum aumento salarial. Mais do que aumento salarial, por ser portador da Limited License eu não poderia crescer dentro da Companhia e a estagnação profissional acabaria sendo inevitável. Buscar aperfeiçoamento profissional seria a minha única alternativa para continuar crescendo dentro da Odontologia. A fagulha gerada pela aprovação do meu irmão me fez reconsiderar aquela resignação de antigamente e então eu decidi partir para o PASS.

Mas ter o PASS simplesmente por ter não traria nenhum benefício no trabalho, afinal de contas, todo Dentista Americano tem este PASS. Eu precisava pensar no que fazer com este resultado. Para onde andar? Para qual programa aplicar? Voltar para a Faculdade para fazer o Advanced Standing sempre foi uma possibilidade. Com os anos de experiência como Dentista em um Community Health Center poderia abrir as portas em vários programas em nível nacional. Uma Residência em General Dentistry, talvez? Residência em alguma Especialidade? Eu orei muito, conversei muito com minha esposa e então decidi fazer o seguinte planejamento para o ano de 2022.

Em setembro de 2021 eu estabeleci as seguintes metas: Contratar ajuda profissional para ajudar na elaboração de um Curriculum Vitae nos moldes norte-americanos e na elaboração do que eles chamam “intent letter”, que é uma carta de apresentação pessoal para os programas de Residência. Neste período eu estudaria e me prepararia para a execução e aprovação no INBDE. Utilizando as dicas e material de estudo sugeridos pelo meu irmão em setembro mesmo eu comecei uma maratona de estudo para esta prova. Em novembro de 2021 eu agendei a prova para fevereiro. Tendo iniciado os estudos em setembro, sabia que até fevereiro de 2022 eu teria tido seis meses de intenso preparo para a execução da prova. O próximo passo seria a prova de Inglês – TOEFL – que também é uma prova necessária ter uma nota competitiva para ser aceito em programas norte americanos.

Neste interim eu decidi aplicar para Residência em Endodontia. Depois de muita oração, conversa em casa e consideração sobre o mercado de trabalho, eu vi que eu sempre estive inclinado nesta direção. Desde os anos da Faculdade, a Endodontia sempre foi parte constante do meu dia a dia. Decidi buscar este objetivo. Hoje eu sou membro da Associação Americana de Endodontistas e tenho planos de visitar alguns programas, a fim de me fazer conhecido e demonstrar meu interesse dentro desta área. Ainda que a conclusão de um programa de Residência acabe limitando o meu exercício da profissão em um número reduzido de Estados Americanos, a minha opção depois de quase 25 anos de profissão é poder me dedicar exclusivamente aos estudos e me aprofundar em uma área da qual sempre me foi querida. Tive grandes mestres nesta área e carrego todos eles comigo ainda hoje, tendo eles como amigos e pessoas que sei que posso contar no caso de uma emergência ou dúvida que venha aparecer

Se você me perguntar por que não o Advanced Standing que me abriria a prática da Odontologia em qualquer Estado Americano, a resposta mais direta seria querer buscar uma pós-graduação. O Advanced Standing Program é, sem dúvida, um programa excepcional. Não tenho dúvida quanto a isto, mas pessoalmente eu acho que cheguei em um ponto da vida onde eu posso utilizar o que eu aprendi nestes quase um quarto de século dentro da Odontologia mirando especificamente em um ponto. O que me encanta na Endodontia é o fato da necessidade de ter uma cabeça eclética. O Endodontista precisa dominar o conhecimento em muitas áreas da Odontologia, principalmente aquelas áreas um pouco mais subjetivas, como compreender o que o paciente está passando, interpretar o que ele está sentindo e, acima de tudo, ajudar a aliviar a dor e finalmente salvar o dente.

Finalmente depois de muito estudo o resultado da prova chegou. Foram seis meses de dedicação, planejamento e ansiedade. Eu ensaiei muito como eu faria a leitura deste resultado que chegaria via e-mail. Eu queria que a minha esposa estivesse comigo neste momento, mas eu sabia que o resultado chegando no meio do dia, seria impossível eu fazê-lo longe dela, porque eu não aguentaria receber o e-mail durante a tarde no trabalho e esperar até o final do dia para abri-lo. Planejei o seguinte: Quando eu recebesse a notificação da Joint Comissiona, eu pararia o que estava fazendo, ligaria em chamada de vídeo para ela e de onde ela estivesse eu abriria o e-mail com o resultado. E foi assim. O PASS chegou.

Se eu chorei? Mas não tenha dúvida que eu chorei. Uma sensação de alívio e dever cumprido, mas a certeza de que outros desafios ainda virão, sem dúvida. O próximo passo, agora é a prova do TOEFL, para depois iniciar o ciclo de aplicação. Mas esta história ainda virá

O título do texto vem de uma palavra em hebraico que a gente encontra na Bíblia, no primeiro livro de Samuel Capítulo 7, versículo 12. O seu significado original é “pedra de ajuda” reconhecendo que até ali Deus tinha ajudado o seu povo a vencer seus inimigos. Até aqui Deus tem me ajudado e eu sei que com fé nEle Ele ainda há de continuar me ajudando.

Um abraço e sucesso sempre!

Rotina de Estudo e Preparo

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