De volta ao começo
Vamos voltar ao início.
Você já ouviu dizer que ser dentista nos Estados Unidos é uma coisa impossível de acontecer tendo sido graduado(a) em uma Faculdade de Odontologia do Brasil? Já ouviu dizer que é só preciso fazer uma prova para conseguir revalidar o Diploma e começar a trabalhar como Dentista em solo Americano? Você conhece alguém que tem um conhecido, parente de um vizinho que é primo da sua tia que está trabalhando nos EUA e ganhando rios de dinheiro? Esse texto, então é para você.
No início do ano de 1994, eu iniciava a minha vida acadêmica dentro de uma Faculdade de Odontologia. Ainda que esta não tivesse sido a minha primeira opção de Faculdade, depois de algum tempo eu percebi que era exatamente ali onde eu deveria permanecer. Não vou nem contar quantas vezes eu tentei sair à francesa, buscando uma terceira ou quarta chamada em outras Faculdades, mas no meio do mês de maio daquele ano eu fiz as pazes comigo mesmo e percebi que ali era exatamente onde eu deveria ficar.
Naquele ano, um dos meus professores de Materiais Dentários tinha chegado há muito pouco tempo de um longo período fora do Brasil. Ele estivera alguns meses - não sei se anos - fora, mas ficou entre os Estados Unidos e o Japão. No Japão parece ter feito alguma coisa com grande relevância pessoal ou profissional, porque certa vez eu o vi dando um chilique com a moça que fazia xerox para tomar muito cuidado com aquele certificado porque ele precisava de uma cópia do certificado obtido na terra do sol nascente. Mas, quem não tem um carinho enorme por um pedaço de papel com garranchos que ninguem entende? Minha filha mesmo me deu vários quando ela tinha três anos. Guardo-os até hoje com muito afeto.
Sendo sabedor que ele tinha tido contato com o mundo da Odontologia nos Estados Unidos e somado a informação de que ele era membro do corpo docente da Faculdade, unindo os pontos marcados, eu sabia que ele era a melhor referência para me responder a seguinte pergunta: “Como fazer para eu poder trabalhar como Dentista nos EUA?”. Uma pergunta simples, aberta, direta com alguns tópicos a serem descritos que a presença de um papel e caneta talvez pudesse iniciar a busca por mais informações. Veja bem: Eu não estava pedindo o passo a passo. O que eu precisava era uma visão geral, uma direção, um ponto de partida para eu poder me preparar nos anos seguintes e saber exatamente por onde caminhar.
A resposta foi simples e direta: “Você nunca vai conseguir. É impossível.”. Hm... um professor que tinha o compromisso de se dedicar a ensinar seus alunos, estimulá-los intelectualmente e direcionar seus passos para a vida profissional futura não teria nenhuma intenção escondida para não oferecer essa informação para um aluno do primeiro ano da Faculdade. Afinal de contas, que mal faria para ele compartilhar esse tipo de informação? E eu sendo aluno do primeiro ano - calouro - quem era eu para questioná-lo? O cara tinha acabado de chegar de fora. Certamente ele tivera esta experiência e já tivera conhecido gente que passou por todo esse processo. O assunto morreu ali. Literalmente. Um sonho de vida desmoronado com seis palavras.
Os anos passaram. Segundo, terceiro, quarto ano, formatura, inicio das atividades profissionais, casamento, pós graduação em Ortodontia até que um dia uma amiga de longa data estava conversando comigo pelo MSN Messenger. Conversa vai, conversa vem, ela disse que estava morando nos EUA e sabendo que eu era americano - nascido somente, porque depois de três meses eu voltei para o Brasil - eu poderia trabalhar como Dentista nos Estados Unidos. “É impossível.” Eu respondi, repetindo o que me fora dito há mais de dez anos. “Não é não. O meu Dentista aqui é brasileiro e ele não revalidou o Diploma dele.”. Opa! Como é que é? Um Dentista brasileiro trabalhando nos EUA? Sem ter revalidado o Diploma? Tem alguma coisa, algum cambalacho, alguma coisa errada nessa equação. Não pode ser possível. Se até então revalidar o Diploma era impossível, trabalhar sem tê-lo revalidado deve ser ainda mais impossível ainda.
Continuamos conversando e eu percebi que de fato era uma possibilidade. Remota, mas uma possibilidade. Por que não tentar? O que eu tinha a perder? O dinheiro da passagem? Eu tinha um consultório que servia para me deixar ocupado. Só isso mesmo porque eu nunca conseguir fazer dinheiro naquele lugar. Eu estava no final da minha especialização em Ortodontia. Eu me ausentaria por no máximo noventa dias, provavelmente não me graduaria com a mesma turma da Especialização, mas poderia retomar as atividades e terminar o curso depois que eu voltasse. Eu precisava pelo menos tentar. E eu fui.
Eu cheguei numa segunda feira no começo da tarde. Na terça feira eu fui bater na porta da clínica onde minha amiga era paciente para pedir um emprego como Dentista. Eu tinha todas as credenciais necessárias para tal. Era Dentista, tinha diploma emitido no Brasil e ainda tinha um plus: era americano. O plus era para mim mesmo porque eu não precisaria ficar preocupado com documentação, ilegalidade ou coisa parecida. Eu estava pronto para trabalhar.
Não foi muito bem assim.
De fato, tudo o que me fora dito era verdade. Eu conheci o Dentista da minha amiga. Ele foi graduado no RS, é do PR e há quatro anos trabalhava como Dentista ali. Não tinha revalidado o Diploma e dispunha de uma licença emitida para Dentistas graduados fora dos EUA e que o habilitava a trabalhar exclusivamente em Centros de Saúde Comunitário sob a supervisão de um Dentista Americano. Para que eu conseguisse uma chance, tudo o que eu precisava era de uma vaga aberta para Dentista ali.
Bom, quase treze anos depois ali estamos até hoje. Uma bênção, graça e misericórdia de Deus que me abriu essa possibilidade de trabalhar como Dentista em solo americano. Eu também não passei por nenhum curso, residência ou revalidação do Diploma em solo americano. Anualmente eu renovo a minha licença de trabalho e todo dia eu agradeço a Deus pela oportunidade que Ele me deu de estar onde estou fazendo o que faço com a equipe que eu tenho atendendo a população da região.
Eu sei que os rendimentos financeiros de um consultório particular chegam a ser muito mais que o dobro do que eu faço por ano. Tudo bem. O que me atrai na profissão não é o que eu levo no final, mas o que eu posso dar. Eu tive uma grande experiência profissional e de vida no Brasil, quando eu ficava sentado no consultório esperando o paciente chegar, vendo o tempo passar e fazendo da minha cabeça um amontoado de idéias mal elaboradas. Quando eu penso em reclamar do meu trabalho eu paro e penso onde eu estava e onde eu estou.
Tudo bem que eu não tenha uma licença Full aqui nos Estados Unidos, mas por onde quer que eu vá aqui, eu posso andar de cabeça erguida sabendo que o meu trabalho ajuda as pessoas que não têm condições financeiras de serem atendidas onde se faz muito dinheiro. Dinheiro não deve ser finalidade. Dinheiro é parte de um conjunto de benefícios que se obtém quando se trabalha com dedicação. Eu sei que eu tenho muito mais do que preciso e muito mais do que eu mereço. A satisfação de poder chegar em casa com o sentimento do dever cumprido é inegociável e eu tenho certeza de que se você se dedicar a conseguir o que você quer, todo o impossível que te foi dito um dia será somente mais um empurrão para se chegar onde você quer.
Não desista! Move forward. Always.
Um abraço e sucesso sempre!