Cabeça aberta
As pessoas me perguntam se eu estou ansioso para iniciar as aulas. Por enquanto eu não estou. Acho que a minha ansiedade, no momento, reside nos meus últimos dias dentro do meu local de trabalho; mais por saber que eu não vou mais voltar para lá e reencontrar a minha equipe de trabalho e alguns pacientes do que o trabalho em si. Digo isto, porque o trabalho é aquilo que a gente já está habituado. Meu procedimento começa quando eu chego ao trabalho, abro o computador e elaboro o plano para os pacientes. Eu abro o prontuário, vejo o que foi feito anteriormente, reviso a história médica do paciente, vejo se existe alguma ressalva colocada na última consulta e faço uma anotação na tela do agendamento do anestésico que eu vou usar, a sua quantidade, que tipo de agulha – curta ou longa – vou precisar e o procedimento que será feito. Se for Classe II com dentes adjacentes presentes eu peço um sistema de matriz específico – Palodent – e se for sem a presença de dentes adjacentes eu peço a matriz Tofflemire. Se for Endodontia, faço a anotação de que será um tratamento de canal e se for extração eu anoto quais dentes serão extraídos e se haverá a necessidade de fazer odonto secção, marcando a necessidade de uma caneta de alta rotação.
Uma vez feito isto, eu sei que os Assistentes terão em mãos o material necessário para que eu possa chegar e começar o procedimento. Eu entro no consultório, me apresento e digo o que está planejado para fazer naquele dia. Eu acho muito importante fazer esta documentação antes de iniciar o procedimento para que o paciente saiba precisamente o que irá acontecer, porque já houve momentos onde eu comecei o procedimento e o paciente dizer que eu estava trabalhando no lado errado, mesmo que o caso em questão estivesse devidamente planejado. Algumas vezes o paciente passa por um momento inusitado antes da consulta e a presença dele ali é para resolver algum outro problema que esteja causando incômodo naquele momento. Se o que está causando problema faz parte do planejamento inicial, eu mudo o procedimento para resolver ali, na hora mesmo. Caso seja um problema não observado anteriormente – como uma fratura de coroa, abscesso ou qualquer outra ocorrência, eu procuro resolver o problema ali na hora deixando o paciente ciente da necessidade do retorno para dar continuidade ao tratamento previamente planejado.
Quando extrações são necessárias, a gente faz o que se chama “Time Out”, onde confere-se em voz alta o nome do paciente e qual dente será extraído. Antes mesmo disto acontecer – caso haja qualquer motivo de dúvida por parte do paciente ou mesmo por minha parte – eu pego um espelho, peço para o paciente segurar, aponto com o meu dedo ou peço para o paciente apontar qual o dente que está incomodando para dar continuidade ao procedimento. Ter criado este hábito fez muita diferença na minha vida profissional depois de um caso quando o paciente chegou reclamando de um primeiro molar inferior com um abscesso muito grande, e ele jurava que o dente que incomodava era o adjacente, por conta de uma restauração antiga de amálgama que era possível visualizar. Pelo fato de o dente não estar com um aspecto estético muito bom e pelo fato de a dor estar próxima, para ele o problema era o dente previamente tratado. Radiograficamente o dente restaurado se mostrava hígido e sem comprometimento periodontal, ao passo que o dente adjacente apresentava evidências radiológicas de problemas bem claros. Foi então que de posse de um espelho em mãos eu pude mostrar para o paciente que o dente que precisava de tratamento – no caso a extração – não era o que ele achava que fosse. Quando você obtém do paciente o consentimento para dar continuidade ao tratamento tudo se move de uma maneira muito mais tranquila.
Outra coisa importante de se lembrar é de que o paciente nunca pode ditar o tratamento que deverá ser feito. Se o paciente se sentar na cadeira exigindo que seja feito algum tratamento ao qual não foi previamente planejado ou que o profissional não ache que seja necessário o Dentista não deve ceder, levando muitas vezes o paciente elevar o tom de voz ou criar confusão por estar sendo contrariado. Neste momento entra a necessidade de calma e bom senso para mostrar para o paciente – nunca convencer – de que aquilo que está sendo exigido não condiz com o benefício dele próprio e que contraria a sua conduta profissional. Particularmente eu acho muito desgastante engajar em discussão com o paciente. Acho muito mais fácil dizer que eu não sou capaz de realizar aquele procedimento e encaminhar para quem sabe fazer melhor do que ceder, fazer um tratamento a contragosto e depois “casar” com o paciente para o resto da vida. Aqui vale a máxima: “You touch it, you own it!”. Você colocou a mão, agora o problema é seu.
Claramente tudo isto vem com o tempo. A habilidade de saber lidar com diferentes tipos de pacientes vem com a experiência clínica durante os anos e é uma aprendizado constante. As diferentes pessoas que a gente encontra diariamente servem para que a gente possa tirar um pouco delas e oferecer um pouco da gente. Este processo é o que nos torna pessoas melhores e melhores profissionais. Manter a cabeça aberta para novas experiências certamente fará de você um profissional que certamente será lembrado quando o assunto for Odontologia.
Um abraço e sucesso sempre!