Caso de Polícia
Há alguns anos chegou ao meu conhecimento a atuação de um Dentista do Brasil em solo norte-americano, mais precisamente em uma cidade próxima de onde eu estou. Nada contra sua iniciativa e empreendedorismo, mas como tudo na vida, são nos detalhes que residem os grandes problemas; e o detalhe deste caso em específico era o fato desta pessoa estar praticando Odontologia de maneira ilegal. E como isso é possível? Bom, para início de conversa, este “colega” de profissão montou um “consultório” em uma pequena sala comercial em um prédio localizado em um posto de gasolina e fazia o “atendimento” de pessoas que buscavam tratamento rápido e barato.
A forma como eu soube deste caso foi um pouco diferente do que a gente geralmente está acostumado, que é quando a gente ouve falar sobre um Dentista aqui ou acolá que atendeu alguém que a gente conhece ou o conhecido de alguém com quem a gente estava conversando. Este sujeito fez o “tratamento” em uma paciente que chegou até mim como uma emergência por conta de um processo infeccioso que foi desencadeado por um tratamento de canal previamente feito. Durante o início da consulta a gente faz uma série de perguntas e, entre uma delas, aonde foi o lugar onde o tratamento foi realizado. Esta pergunta é sempre muito importante, porque se for o caso de o outro Dentista estar viajando, ou com o consultório fechado naquele momento ou mesmo de férias, pouco ou quase nada é aconselhado fazer uma vez que aqui nos Estados Unidos existe uma máxima entre os Dentistas que é: “you touch it, you own it”, que significa literalmente “quando você põe a mão o caso agora é seu”.
Ninguém quer herdar um caso perdido vindo de um outro Dentista. É muito comum pacientes deixarem de ter determinado tratamento concluído quando outros Dentistas colocam a mão em casos em andamento. Claro que existem uma série de condições que são avaliadas em cada caso, mas, por exemplo, se um paciente chega com um incisivo central superior abcedado e um segundo Dentista intervém e termina o tratamento iniciado por outro profissional, este que concluiu o caso é responsável sobre o tratamento realizado, especificamente naquele dente. Mesmo que o paciente retorne para o primeiro Dentista que iniciou o tratamento de canal para finalizar o tratamento proposto inicialmente, qualquer coisa que venha acontecer com aquele dente no futuro, o Dentista original se exime de responsabilidade profissional sobre aquele caso em específico e o Dentista que concluiu o tratamento endodôntico é responsável por qualquer problema que aconteça com aquele elemento dentário.
Tudo isto para dizer que durante a minha conversa com aquela paciente a resposta que eu recebi de onde aquele tratamento foi feito me deixou perplexo. Disse ela, na época, que o caso tinha sido feito por um Dentista brasileiro que fazia o atendimento em um lugar que não era um consultório propriamente dito. Aqui nos Estados Unidos a gente sempre ouve falar de que tratamentos são feitos no Basement – ou no porão de casas – que cedem um lugar sem as mínimas condições de trabalho ou higiene. São Dentistas vindos de vários lugares do mundo – não somente do Brasil – que veem uma forma de fazer dinheiro usando a habilidade desenvolvida no seu país de origem. Neste caso o Dentista era brasileiro e ao que tudo indicava vinha fazendo um grande estrago na população local.
A primeira coisa que vem na cabeça é um sentimento de revolta. Como é que alguém se presta a atender pacientes sem as mínimas condições de salubridade exigidas pela profissão, mas mais do que isto a revolta maior é saber de gente que passa por cima do controle do Board of Registration in Dentistry do Estado onde residem para atender pessoas, dizer que promovem tratamento odontológico sem a devida licença para tal. E é justamente neste ponto que eu quero chegar.
Mais recentemente eu soube de um outro Dentista do Brasil que vem fazendo atendimento em locais escondidos aqui na região. O modus operandi deste sujeito é típico de quem se acha o sabichão e que nunca ninguém irá pegá-lo. Digo isto porque esta pessoa vem para os Estados Unidos com tudo planejado do Brasil. O agendamento é feito online, o preço do tratamento é combinado também online e o local e hora do atendimento também. Tudo online, via WhatsApp ou outra plataforma social digital. Ele faz o atendimento de no máximo 10 pessoas, cobra de cada uma um valor fechado e depois de alguns dias em solo norte-americano, ele retorna para o Brasil com o bolso cheio de dinheiro e nenhuma responsabilidade sobre o que foi feito. Claro que quando existem, então, problemas com o tratamento feito os pacientes vêm até nós, Dentistas devidamente licenciados pelo Estado, para consertar o que foi deixado para trás.
Desta vez eu decidi não deixar passar. De posse destas informações eu decidi entrar em contato com o Board of Registration in Dentistry (BORID) do Estado de Massachusetts para perguntar o que eles podem fazer em casos como estes. A resposta não poderia ter sido melhor: Eles não podem fazer NADA!! Nada, absolutamente nada! E por quê? Porque eles não tem jurisdição sobre o atendimento de Dentistas não licenciados por eles. A menos que este Dentista ilegal venha fazendo este atendimento sob o teto e um Profissional regulamentado pelo BORID eles não tem o poder legal para intervir. Mas sabe quem tem? A Polícia!
Sim, isso mesmo! A Polícia deve ser acionada e o Dentista estrangeiro pode ser preso sob a acusação de prática ilegal de Odontologia e, se este atendimento vem sendo feito sob o teto de um Dentista local, este pode sofrer sanções por parte do BORID que pode ir de uma advertência ou até mesmo a perda da licença.
Por mais revoltante que seja, pouco ou quase nada a gente pode fazer, a não ser prestar muita atenção no que a gente faz. Neste caso, a vontade que eu tenho é de montar um esquema cinematográfico e acabar de vez com essa patacoada que este sujeito vem fazendo por aqui. Talvez falte tempo para me dedicar sobre este assunto, mas eu sei que este tipo de atuação tem sempre seus dias contados. A pergunta que eu faço é se vale a pena correr o risco de ser preso e sofrer deportação. Meu conselho? Faça a coisa certa. Planeja, estude e venha. Não há nada melhor do que uma consciência tranquila.
Um abraço e sucesso sempre.