Lado Esquerdo ou Lado Direito
Quanto mais velho a gente vai ficando menos a gente lembra do que a gente viveu quando criança. No meu caso, algumas memórias permanecem bem vivas e uma delas foi a primeira vez que eu me dei conta que eu era canhoto. O problema era que eu não conseguia me adaptar muito bem ao mundo destro onde eu vivia. Se não me engano, eu acho que eu era o único canhoto da turma da escola. Para quem é canhoto a gente sabe como é difícil conseguir se enquadrar no mundo que nos cerca.
Certa vez eu estava tendo dificuldade para copiar a matéria da lousa. Eu não conseguia manter o ritmo e parecia que a mesa estava muito curta. Percebi que era preciso que eu braço esquerdo ficasse sem o apoio da mesa, já que o meu caderno ficava na posição horizontal em relação à minha posição. Foi então que eu percebi que seu eu virasse o caderno verticalmente eu conseguiria, não somente redigir mais rapidamente, mas também conseguiria uma poio mais eficiente para o meu braço esquerdo.
A gente vai crescendo e começa a perceber uma série de diferenças que a gente julgava inexistentes. Digo isso, porque quando você fala que alguém é canhoto, o mundo inteiro daquela pessoa vai necessitar de uma adaptação externa ou a pessoa mesmo vai procurar se adaptar. Antigamente o meio externo adaptava o canhoto. Conheço gente muito próxima à mim que sofreu abusos na escola por parte de seus professores por serem canhotos e hoje possuem a habilidade de escrever com as duas mãos. Mas mais que isto, estes encontram certa dificuldade no dia a dia, porque ao passo que eles se adaptaram para escrever com a mão direita, atividades simples que requerem um instrumento externo - como uma tesoura - ainda sofrem dificuldade porque o uso de uma tesoura se dá de maneira mais fácil com a mão esquerda.
Hoje em dia é mais fácil encontrar no mercado, equipamentos dedicados para canhotos. Eu me lembro, certa vez, minha mãe ter me mostrado uma tesoura para canhoto. “Legal, vou testar para ver como funciona”. Pois então... não funcionou para mim. Mas se eu escrevia com a mão esquerda, o raciocínio mais lógico é usar a mão esquerda para tudo mais. Mas não é muito bem assim.
Eu sempre me considerei um destro que escrevia com a mão esquerda. Sempre. O motivo principal é porque tudo o que requer uma mecânica menos detalhista eu sempre usei o lado direito. Para jogar futebol eu chuto com o pé direito. No futebol de campo sempre foi um desastre porque, sendo canhoto, eu era colocado na ponta esquerda. Desastre duplo... eu era péssimo para correr e quem joga na ponta tem que ter um fôlego quase inumano. Depois que, mesmo que eu conseguisse correr com a bola, quando chutava a bola ela ia parar do lado oposto para onde eu queria mandar. Justamente porque o meu pé bom era o direito.
Se eu tivesse crescido aqui nos Estados Unidos e fosse participar de um jogo de baseball, o lado que eu rebateria seria o direito. Quando eu vou jogar boliche a mão que eu uso é a direita, para usar tesoura, a mão direita e tudo mais... a mão direita. Não vou nem falar sobre o trabalho. Na faculdade éramos três ou quatro canhotos com pelo menos uma cadeira para canhoto a menos na clínica inteira. Era uma briga para conseguir chegar primeiro para usá-las. Quando possível a gente fazia duplas de canhotos. Um ajudava o outro e tudo se resolvia.
Dá para imaginar que sendo canhoto fajuto como eu, a coisa mais evidente no caso de se portar uma arma, seria utilizar a mão.... direita, claro. Eu empunho a pistola com a mão direita com todo conforto possível. Carrego o pente de balas com a mão direita. Carrego a arma com a mão direita e, como esperado, disparo a arma com a mão direita. E... olha... como eu sou ruim. Sou péssimo atirador. Com a mão direita.
Esses dias eu fui a um stand de tiro próximo de casa com um amigo. Há pouco tempo, eu soube de um teste visual onde você descobre qual é o seu olho dominante (veja aqui) e praticando no stand eu não me conformava realmente de como eu era ruim para atirar. Foi quando eu me lembrei deste teste. Eu fiz na hora e percebi que o meu olho dominante é o esquerdo. Mas como é possível ter o olho esquerdo dominante, mas manusear a arma com a mão direita? Uma breve consulta na internet mostrou que é preciso fazer uma leve adaptação da cabeça para que a visualização do alvo ficasse correta, fazendo uma pequena correção na postura no momento do disparo. Ainda assim não funcionou. Não havia um bom agrupamento dos disparos ao passo que os disparos do meu amigo estavam sempre constantes e bem agrupados.
Foi então que ele me sugeriu usar a mão esquerda. “Mas nem dá” eu falei na hora. “Não consigo nem segurar a arma direito”. “Tenta” ele falou. OK. Já estou aqui mesmo. Tentar não vai fazer mal.
E não é que a coisa mudou?
Dos demais disparos realizados naquele dia, o grupamento não somente melhorou - e muito - como eu também me mostrou que até então eu vivi enganado por muito tempo. Talvez o uso de relógio no braço direito pudesse ter me dado essa dica, mas foi preciso realmente sair da minha zona de conforto portando uma pistola Smith & Wesson 45 para perceber que ainda existem descobertas na minha vida que para mim já eram casos encerrados.
De qualquer forma eu não ache que isso vá mudar muita coisa na minha vida. Acho que até é bom porque se um dia eu decidir sair armado e for necessário uma ação rápida, a minha primeira reação vai ser sacar a arma com a mão direita. Daí, eu vou ter que destravar a arma com o polegar da mão direita, mudar de mão para depois poder usar. Até lá a vida já passou como um filme na frente dos meus olhos e acabou no momento que eu me arrependi de não praticado tempo suficiente para fazer tudo isso usando a mão esquerda e com uma pistola sem trava. Ou simplesmente não ter saído armado.
Um abraço e sucesso sempre.