Dr. João Antonio Costa

Olá!

Bem vindo ao nosso blog. Aqui eu conto um pouco sobre minhas experiências dentro da Odontologia nos EUA e o Processo de Validação do Diploma de Odontologia nos EUA e minha jornada dentro da Boston University Henry M. Goldman School of Dental Medicine.

Espero que você aprenda bastante!

A Escolha de Sofia

A Escolha de Sofia

            Parece, então, que as coisas começam a voltar para o normal. Finalmente aquela frustração inicial deixa de ser motivo principal de considerações e pensamentos e o dia a dia do trabalho toma conta da rotina. Confesso ter demorado um pouco para finalmente entender que um não, não significa o fim do mundo. A gente mesmo cria o nosso fim do mundo quando não aceitamos um resultado inesperado, ou mesmo uma reposta negativa. No meu caso acho que foi um pouco dos dois, porque receber a notícia de que não foi aceito, mas você ainda tem uma chance se alguém desistir é uma idéia bem difícil de digerir.

            Mas a vida segue.

            Esta semana foi um pouco sui generis porque eu voltei de uma semana afastado por conta de um resultado positivo de COVID, mesmo não tendo apresentado qualquer sintoma evidente desta doença. Os tremores, calafrios, febre alta e tosse não fizeram parte do meu dia a dia na semana anterior, a não ser um certo mal-estar que se tivesse ficado encoberto, certamente não teria trazido qualquer implicação no meu dia a dia no trabalho. Aprendi a lição: Da próxima vez, só faça o teste de COVID se você não estiver conseguindo respirar, se apresentar febre de 40 graus ou não conseguir levantar da cama. Qualquer outro motivo, vá trabalhar!

            Por conta de alguns imprevistos e uma viagem inesperada por parte de uma de nossas Dentistas, eu acabei sendo o único Dentista no trabalho. Digo que a gerência foi muito piedosa comigo eliminando algumas aberturas para emergência, de maneira que eu não ficasse sobrecarregado. Ajudou muito mesmo, mas mesmo ontem eu confesso ter passado por uma experiência que há muito tempo eu não vivia.

            Primeiramente eu quero dizer que atendimento de emergência nem sempre significa fazer um procedimento naquele exato momento. Muitas vezes os pacientes chegam até nós com o rosto inchado, história de três noites sem dormir, muita dor e cansaço. Quando é possível, eu faço uma pulpotomia, a extração de um dente condenado ou mesmo um curativo para aliviar o problema, mas ontem recebemos uma paciente que chorava copiosamente.

            Quem atende procedimentos de emergência sabe que muitas vezes o paciente não quer assumir que ele mesmo foi o responsável pela situação daquele momento. Também a gente sabe que ali não é o momento para esfregar na cara deles a responsabilidade daquela situação miserável por que eles estão passando. Nosso papel ali é procurar colocar um ponto final naquela condição e levá-los para um final de dia sem dor. Por mais que a gente queira apontar o dedo e falar que o motivo daquela situação foi uma vida inteira de desleixo e falta de cuidado, ainda assim o nosso profissionalismo deve falar mais alto.

            A dor que eu vi ali talvez não fosse para tanto choro. Não havia uma imagem radiográfica que evidenciasse uma lesão periapical aguda, não havia o inchaço e drenagem característica de uma infecção ou se quer uma perda substancial da coroa do dente. Tinha, sim, uma cárie enorme que estendia para a região do osso alveolar, uma sensibilidade exacerbada na percussão vertical e muita dor com a palpação apical. Vamos fazer o canal e salvar o dente – diriam alguns Endodontistas. Este, de fato, foi o meu primeiro pensamento, mas o desespero mostrado pelo paciente, nem de longe sugeriria uma discussão sobre este assunto. Seu objetivo ali era realmente livrar-se daquele dente que foi completamente ignorado uma vida toda.

            Foi uma das extrações mais difíceis que eu já realizei, e confesso que se eu tivesse tentado salvar aquele dente, talvez tivesse sido uma péssima decisão. Primeiro porque metade do sucesso de uma pulpotomia vem da vontade do paciente querer salvar aquele dente. Se já está na mente dele que o problema da sua vida reside ali, o meu papel como Dentista é resolver o problema ali naquele momento. Ainda que eu fosse o melhor Endodontista que o mundo já conheceu, se aquele dente voltasse para casa com o paciente, para sempre eu seria o pior dos profissionais. Por mais que o mantra dos Endodontistas seja “vamos salvar todos os Dentes”, muitas vezes alguns deles já passaram desta oportunidade. No caso de ontem, uma cárie de tamanho substancial ocupava dois terços do coroa do segundo molar inferior esquerdo, estendia apicalmente para altura do osso alveolar para o lado mesial e vinha sofrendo contato prematuro constante por parte de um paciente com muita ansiedade e evidência clínica de bruxismo. Aquele dente tinha que sair.

            Saiu. Mas não foi sem luta.

            Aquele dente levou quase quarenta e cinco minutos para sair. Durante o procedimento eu vi que a extensão da cárie foi muito além do que o raio-X mostrava. Além da cárie ter comprometido toda extensão do dente, o comprimento dele era uma coisa fora do normal. No final do procedimento, somente a raiz distal mostrou um tamanho aproximado de quase vinte e cinco milímetros e isso sem contar a coroa que quebrou logo no início do procedimento. Mesmo que eu tenha visto o comprimento inicial através do raio-X e já ter imaginado o problema que seria remover aquele gigante, a saúde periodontal daquele dente não se mostrou em nada comprometida, fazendo a sua remoção ainda mais difícil.

            Pacientes que chegam para serem atendidos de emergência têm prioridade. Devem ser priorizados, mesmo que isso comprometa o andamento do seu dia. Ainda que seja para anestesiá-los e deixarem eles aguardando sem dor até que seja possível fazer alguma coisa. Neste caso, confesso ter ficado atrasado quase uma hora, mas no final tudo se resolveu. Minha preocupação teria sido se eu simplesmente tivesse mandado este paciente para casa com uma prescrição de remédio, sem que tivesse resolvido o problema naquele momento. Remover um dente é sempre difícil para mim, mas eu entendo que muitas vezes esta acaba sendo a melhor alternativa clínica. É a escolha de Sofia.

            Um abraço e sucesso sempre.

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