Se Eu Soubesse
Imagine seu início de carreira logo depois de terminar a faculdade, no nosso caso, de Odontologia. Alguns de nós com promessa de trabalho, outros em conversação com chefes de departamento para engatar um mestrado, hoje em dia gente já pronta para iniciar especialização e alguns poucos herdando – ou iniciando – o trabalho com os pais ou parentes mais próximos. No meu caso, eu não acho que tenha sido nenhuma das alternativas.
Ainda me lembro no meu quarto ano, nos últimos dias do curso tive uma oferta que parecia irrecusável. Foi-me oferecido um consultório de segunda mão, mas com o acordo de herdar o ponto por no mínimo um ano. Eu compraria o equipamento e móveis e assumiria a parte do aluguel do prédio onde eu trabalharia. Neste prédio outros quatro Dentistas também trabalhavam e dividiam as contas de aluguel e secretária que cuidava do agendamento de todos os Dentistas.
Uma oferta difícil de ser recusada porque o valor do aluguel eu poderia ainda dividir pela metade quando uma colega de turma aceitou dividir o horário de trabalho na sala comigo e ao final deste ano eu seria dono de um equipamento relativamente novo e em perfeito estado de funcionamento. Foi necessário comprar um aparelho de raio X, um amalgamador e um aparelho fotopolimerizador. Na época o negócio trouxe também uma estufa porque autoclaves ainda eram de preço proibitivo (não que se tenha mudado muita coisa hoje em dia).
Na minha inocência de veterano de faculdade e “calourice” de vida, eu acabei não me dando conta de algumas coisas importantes: 1) Eu tinha a impressão de que trabalhar com outros Dentistas fosse me dar a oportunidade de oferecer meus préstimos profissionais e receber indicação por parte deles. Foi dura a lição aprendida que Dentistas podem vender a própria mãe, mas em hipótese nenhuma compartilham seus pacientes. 2) Compartilhar aluguel com outros Dentistas com clientela já formada é como emprestar dinheiro de agiota. Você consegue o dinheiro, mas pode perder a vida se não pagar. Tudo bem que eu não tive a minha integridade física comprometida em nenhum momento, mas a minha inabilidade de pagar por meus próprios meios um ano de aluguel mais as dez parcelas em que dividi o consultório certamente me fez repensar muita coisa sobre permanecer respirando. 3) Não somente eu não consegui levantar recursos para pagar por um ano de aluguel mais dez parcelas da negociação do equipamento mais os periféricos adquiridos no Congressão de São Paulo daquele ano, eu deixei de lado uma oferta de trabalho por comissão que me foi oferecida onde eu não precisaria pagar nada para trabalhar. Eu simplesmente precisava chegar com meu corpinho, trabalhar o tempo necessário tendo sempre agenda cheia e pagamento ao final do dia. O dono do lugar ainda me falou que eu não estaria fazendo um bom negócio, mas o meu “espírito empreendedor” que eu nunca desenvolvera dentro de mim tinha resolvido dar um passo importante como este para alguma coisa que eu não sabia ou tinha qualquer idéia de qual seria o resultado. O resultado foi este: uma falha miserável que acabou sendo o primeiro alerta da minha mais completa e óbvia inabilidade e incapacidade de compreender o mercado de trabalho, como administrar a vida profissional e o mais importante de tudo, não dar ouvidos aos mais experientes.
Daí a gente volta naquela velha moda: “Se eu soubesse naquela época o que eu sei hoje...”. Meu... se eu soubesse naquela época o que eu sei hoje, eu não somente não teria comprado o equipamento que me foi oferecido a um preço muito convidativo, como eu teria juntado as minhas coisas partido para os Estados Unidos no dia seguinte da minha formatura. Com mais dois anos de estudo eu teria terminado o Advanced Standing Program em alguma Universidade Americana e hoje eu estaria somente a nove anos de concluir o pagamento do financiamento feito para pagar o curso.
Moral da história:
Não tem moral da história. A nossa vida é direcionada com as escolhas que a gente faz. Querer mudar o rumo do que já foi passado é, como diz o Pregador, como correr atrás do vento. É burrice. Com as informações disponíveis hoje em dia, pare e pense. Observe ao seu redor e pergunte para quem tem mais experiência que você. Aprenda com seus erros e não se sinta abatido por ter errado. Aprenda também com os erros dos outros. Não se deixe levar pelo que você acha que sabe. Cresça subindo nos ombros de gigantes e caminhe para frente mirando sempre para o alto.
Um abraço e sucesso sempre!
