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Eu acho que nunca tenha comentado por aqui dos primeiros dias que vivi em Taubaté no meu primeiro ano da Faculdade. Taubaté é uma cidade próxima a São José dos Campos, cidade onde eu morava no interior de São Paulo, que era referência no Vale do Paraíba pela Faculdade que tem. Era não. Ainda é. São tradicionais os cursos de Medicina, Direito, Agronomia e Odontologia. Ainda que tendo cursos tradicionais dentro do espectro oferecido, outra coisa tradicional que a UNITAU cultivava era a rixa entre a Medicina e a Odontologia.
Rixa besta no meu entendimento porque não existe comparação entre os dois cursos. Claro que o Dentista deve saber mais sobre o aspecto geral de um paciente quando comparado com um Médico. Vai ver se um Médico vai saber tratar um pericoronarite aguda. Ou aliviar a dor de uma pulpite aguda irreversível. Ou mesmo drenar um abscesso dentário. O máximo que ele vai fazer no PS é dar um antibiótico e... e... e... alguém advinha? Encaminhar para um Dentista!
Brincadeiras a parte, não há dúvida da importância imensa que existe entre essas duas especialidades que se completam. É tão fora de questão querer dizer que uma é melhor que a outra porque o que se ganha com este tipo de rivalidade é absolutamente nada quando comparado com o que se ganha quando elas dão as mãos.
Em Taubaté o prédio da Odonto ficava pouco mais de um quilômetro do prédio da Medicina. No nosso primeiro ano tínhamos algumas aulas das matérias básicas na Medicina, a saber: Anatomia Geral, Histologia, Microbiologia, Bioquímica e Anatomia Odontológica. Isso porque era no prédio da Medicina onde encontrávamos os laboratórios para as aulas práticas, então nada mais natural que passar parte das nossas horas de aula naquele ambiente. E aquele era um ambiente de tensão.
Essa tensão se dava pela presença dos alunos do primeiro, segundo e terceiro ano de Medicina que não faziam a mínima questão de se fazerem prestativos. Alunos da Odontologia - calouros - eram vistos como uma classe inferior, segundo eles mesmos os alunos de Odontologia que “invadiam” seus domínios tinham ingressado na sua “segunda opção” na prova do vestibular. Foram aprovados para Odonto por não terem alcançado nota suficiente para ingressar na medicina.
Essa rivalidade parece ter sempre existido e eu vivi na pele esse ódio velado certa vez quando estava chegando na biblioteca da Medicina para procurar um colega. Fui abordado por três alunos da graduação de medicina que me cercaram e começaram a me perguntar o que eu estava fazendo ali. Eu não sou de briga. Minha compleição física nunca me habilitaria sê-lo. Disse que estava procurando um colega e tive a chance a aponta-lo sentado à mesa estudando para a prova que teríamos na próxima semana. Foram momentos tensos porque ao mesmo tempo que eu queria ter uma resposta pronta para cada insulto que me faziam, eu queria servir o queixo do seu líder com um cruzado direto e, ou acabar de vez com aquele bullying ou começar uma briga entre os dois cursos. Eu decidi não sujar a mão do futuro médico com o meu sangue porque eu imagino que ficar batendo meu nariz contra a mão dele poderia causar um trauma muito grande. Em mim. Além do quê, eu poderia ter que satisfazer a ânsia dos seus colegas que estavam junto com eles a quererem quebrar uma ou duas das minhas costelas. Entre um ou outro, eu preferi não abrir a boca e engolir os insultos.
Atualmente estou passando por um momento um pouco delicado na minha vida como pai. Eu tenho que procurar ensinar a minha filha a não baixar a cabeça quando afrontada por bullies. Ensinar uma menina a levantar a cabeça e não se baixar a provocações ou insultos é muito diferente de um menino que a gente simplesmente fala: “Se for pra brigar na rua, que não seja para apanhar, porque se apanhar na rua vai apanhar em casa também”. Foi assim que eu aprendi a fugir de briga porque as chances que eu tinha de apanhar dobrado sempre foram muito maiores do que vencer uma briga de rua.
Sou da paz. Ou não treinado.
Afrontas sempre vamos ter. Sempre vão existir aqueles que fazem do seu prazer o nosso sofrimento, mas é o tipo da coisa que a gente aprende a conviver. Responder com a mesma moeda nem sempre é o melhor caminho. A gente aprende na Bíblia a virar a outra face, andar a segunda milha e perdoar e fazer o bem a quem nos faz e quer mal. No fundo a violência nunca vai resolver nada.
Daquele aluno da Medicina que eu tive o dissabor de encontrar eu não soube mais nada. Nem o nome dele eu aprendi. Ele já deve ser um médico bem-sucedido tendo um batalhão de gente para servi-lo e quem sabe até já pensando em se aposentar. Bom para ele. Quem sabe nas suas férias, comendo um pé-de-moleque contrabandeado do Brasil na beira da praia no Cape Cod ele não tenha seu incisivo central superior fraturado verticalmente? Não seria irônico ele chegar como emergência no Community Health Center onde eu trabalho?
Um abraço e sucesso sempre.