Confidencialidade
Quando eu dei início às atividades como Dentista nos EUA eu precisei passar por um processo de educação exigido pela companhia a todos os que iniciavam a sua atividade profissional. A gente chama este dia como “Orientation Day”. Todos os novos integrantes da companhia passam um dia inteiro na matriz em Boston, aprendendo sobre a política de trabalho da empresa, valores, missão e tudo mais pertinente ao andamento correto da empresa, baseado nas políticas de trabalho criadas e implementadas ali.
Uma das coisas que aprendemos ali é sobre uma lei sancionada pelo então presidente Bill Clinton em 1996 concedendo uma série de benefícios a trabalhadores que por algum motivo mudassem de emprego a fim de não perderem os benefícios de saúde. Outra coisa muito importante criado ali foi o direito do usuário – no caso o paciente – de ter suas informações mantidas de maneira confidencial. Ainda que isso possa parecer uma coisa óbvia a confidencialidade oferecida pelo HIPAA (Health Insurance Portability Accountability Act) extrapola o que a gente considera confidencial no nosso dia a dia. Esta confidencialidade exigida é muito mais abrangente.
Alguns exemplos interessantes e importantes:
Se o seu paciente não aparece na consulta por qualquer motivo que seja, a sua equipe não pode ligar para ele(a) e deixar recado dizendo que a consulta foi perdida. Ou o paciente recebe a ligação pessoalmente – fala diretamente com quem está telefonando – ou deixa-se recado pedindo para que o paciente entre em contato.
O marido ou esposa não pode agendar consulta para o seu cônjuge. Se um deles liga pedindo para agendar consulta para o outro, quem atende o telefone não pode agendar a consulta. A coisa é tão séria que o atendente não pode nem confirmar que o cônjuge faz parte da carteira de clientes daquele consultório.
É expressamente proibido fazer divulgação de fotografias com pacientes em redes sociais. Claro que existindo um documento assinado pelo paciente autorizando esta divulgação, isentando o profissional de qualquer problema jurídico e legal e mantendo-se os padrões de conduta e confidencialidade exigido pela política de trabalho da empresa... etc., etc., etc... mas a dor de cabeça para se elaborar um documento tão amplo e complexo como este às vezes inviabiliza o desejo de fazer uma foto com o paciente.
Em um encontro social, se você encontra com um paciente seu, você não pode dizer aos outros que ele ou ela é seu paciente. Eles podem dizer que você é o Dentista deles, mas o contrário nunca pode acontecer.
Se alguém pergunta para você se uma determinada pessoa é seu paciente, você não pode confirmar a informação. Isso aconteceu comigo várias vezes... foi uma coisa muito difícil de aprender porque a agente não quer parecer grosso ou insensível, mas casos como estes a gente acaba aprendendo bem rápido a dizer que aquele assunto não é para ser discutido. Aqui nos EUA as pessoas entendem sem maiores problemas.
Uma coisa que acontece demais dentro do consultório são pacientes que falam que um ou outro indicaram eles para atendimento. Ou ainda perguntam se a gente conhece um ou outro. Também, uma coisa difícil de aprender a contornar. Como Dentistas, a gente não pode confirmar que conhece determinadas pessoas, ainda que saibamos precisamente quem são. A melhor coisa a ser feita é ater-se à verdade. É só dizer que por conta de confidencialidade não podemos dar qualquer informação sobre pacientes. Na maioria dos casos os pacientes que perguntam já sabem da resposta. Saber que podem confiar na discrição dos Profissionais ali é um ponto a mais.
Este assunto é tão sério aqui nos Estados Unidos que em grandes corporações e consultórios maiores existem departamentos dedicados exclusivamente para este fim. Pessoas que avaliam políticas de trabalho, conduzem investigações quando há quebra de protocolo e muitos casos são levados à justiça chegando a multas que podem variar entre 50 mil a 1,5 milhão de dólares por violação mais a demissão sumária, podendo ainda levar a pessoa que violou esta lei a até 5 anos de prisão.
Já falamos aqui sobre calibração cultural e este é um caso que deve ser levado muito a sério por quem deseja iniciar as atividades profissionais aqui nos EUA. Claro que é preciso muita leitura e treinamento sobre o assunto, mas mais vale um par de lábios calados do que 5 anos atrás das grades.
Um abraço e sucesso sempre!