Aos meus amigos
Eu cresci em um lar cristão. Cristão Evangélico para ser mais preciso. A quarta geração de uma família que cresceu unida entre primos, tios e irmãos oriundos de um mesmo tronco familiar. Minha vida não foi muito diferente da de qualquer outra pessoa, a não ser que aos domingos tínhamos o dia praticamente dedicado às atividades da Igreja, bem como durante a semana meu pai dividia as tarefas diárias do seu trabalho secular com reuniões administrativas da Igreja. Nunca houve problemas de agenda ou nada que comprometesse nossas atividades diárias durante a semana.
Nos grandes feriados do ano como Carnaval, Páscoa ou qualquer outro que coincidisse com feriados prolongados a grande programação eram os acampamentos. Por vezes fazíamos com outras Igrejas, como forma de intercâmbio, outras vezes somente com o nosso grupo local. Durantes esses dias tínhamos um contato um pouco maior com quem o pessoal que a gente somente via aos domingos e isso acabava aumentando muito o laço de amizade e companheirismo. Alguns romances saíram desses encontros, muito bate boca - como não poderia deixar de ser - e amizades que perduram por mais de quarenta anos.
Durante os acampamentos tínhamos preleções sobre assuntos diversos onde todos eram embasados em conceitos bíblicos. Nada de mais. Geralmente o acampamento tinha um tema e durante esses dias, em horários determinados, juntava-se todo mundo e tínhamos uma preleção feita, geralmente dada por algum membro da Igreja ou alguém convidado. Eram momentos muito bons de aprendizado bíblico, gincanas, muita risada em um ambiente amigável entre pessoas que compartilhavam dos mesmos ideais. Ao final de cada acampamento laços de amizade se fortaleciam e o comprometimento com a vida cristã de cada um era individualmente revigorada. Eram bons tempos.
Em uma dessas preleções eu aprendi sobre a diferença entre amizade e coleguismo. A diferença entre amigo e colega. Nossa preletora na época, tia Odila - era tia distante porque ela era casada com um primo de segundo grau do meu avô - professora por muitos anos e com uma didática e conhecimento bíblico extraordinários, perguntou se alguém entre aqueles mais de 30 adolescentes sabiam a diferença entre amigo e colega. Ela foi direta ao assunto. E foi uma coisa que eu acabei me lembrando para o resto da vida. Ela disse que colega é aquele que “lê junto”. Aquela pessoa que está ao seu lado, no caso na escola, sentado próximo a você aprendendo a mesma coisa.
Ela comentou que na vida teríamos muitos colegas, mas poucos amigos, porque o termo amigo traz a idéia de alguém com mais proximidade e intimidade. A etimologia da palavra em si é um pouco obscura, mas entende-se que tenha origem de amare, amar ou ainda do termo animi custas que significa guardador de alma, alguém que toma conta da alma do outro. Ainda uma terceira corrente afirma que venha do grego a (negação) ego (eu) que significaria alguém com quem você se identifica tanto quanto a si mesmo, mas que não é você.
Eu sempre me lembrei dessa diferença e sempre procurei aplicar essa diferença na minha vida. Da mesma forma que eu faço parte do grupo de conhecidos de muita gente - sou colega de muita gente - ao mesmo tempo são poucas as pessoas com quem eu me identifico de maneira muito próxima ao ponto de chamar de amigo. Isso me fez perceber - além de ter ouvido também - que o número de amigos na nossa vida é muito, mas muito menor do que o de colegas ou de pessoas com quem estudamos, trabalhamos ou interagimos diariamente. O conceito de amizade para mim é muito claro e nítido e me faz refletir muito quando vejo pessoas cercadas de gente dizendo serem seus amigos. Seriam todos eles guardadores de sua alma?
Falar de um amigo específico neste canal seria fazer injustiça para todos os demais. Queria eu poder escrever a respeito de cada um deles, fazendo justiça ao sentimento que tenho para com cada um deles. Eles sabem quem são. Eles sabem da minha vida, minhas alegrias, minhas angústias e conhecem muito bem o que passa dentro da minha cabeça. Sou uma pessoa abençoada pela vida de cada um deles, ainda que nem todos possam estar fisicamente próximos. Tudo bem. Hoje a tecnologia tem a capacidade de nos aproximar e tornar nula a distância existente. O abraço faz falta com certeza, mas em tempos modernos a gente aprende que o que sustenta uma amizade não é o contato físico, mas o amor existente pela alma; mesmo que ela esteja distante.
Um abraço e sucesso sempre.