Mão Prá Cima
De tantos e-mails que recebo semanalmente de gente que deseja deixar o Brasil, alguns motivos acabam mostrando-se os mesmos: Qualidade de vida, educação para os filhos e segurança para a família. Segurança realmente é um fator decisivo para quem busca qualidade de vida. Segurança de poder ir e vir sem se preocupar com sua integridade física. Segurança de poder sair de casa tranquilo sabendo que tudo estará no mesmo lugar quando você chegar. Segurança de saber que quando você for dormir ninguém irá tentar entrar na sua casa para fazer mal a você e sua família. Segurança em saber que, se caso alguma coisa acontecer com você, os autores do crime serão punidos; sem audiência de custódia ou maioridade civil questionada.
Infelizmente eu fui vítima de assalto a mão armada no ano anterior à minha saída do Brasil. Foi uma situação tão ridícula quando paro para pensar agora, que quando eu conto por aqui o que aconteceu ninguém acredita. Mas nem eu mesmo acredito quando eu lembro.
Mudei meu consultório para junto do meu irmão. A sala que ele alugava era dividida em 3 ambientes: Uma antessala, uma sala menor e uma maior onde ele trabalhava há alguns anos. Os negócios não iam bem no local onde eu estava com meu consultório. Ainda que eu tivesse me mudado para próximo dele, ser o único Dentista do bairro não resolveu os problemas da comunidade. E nem os meus. Uma vez por semana eu ia trabalhar no consultório do meu irmão para fazer atendimento ortodôntico. Depois de ponderar bastante e ver que o movimento na frente do consultório dele era muito maior do que na frente do meu, pensei que poderia ter mais sucesso se juntássemos forças. Esperei espirar o contrato do aluguel, devolvi a sala, coloquei tudo em uma pick-up e mudei.
Mudanças sempre trazem bons ares... Novas esperanças e oportunidades. O bairro da periferia de São José dos Campos ficava na zona sul. Uma área difícil em termos de segurança porque era publico e notório que a policia não tinha vez naquela região. A gente sabe, também, que fazendo o atendimento a todos – sem fazer acepção de cor ou classe social – as chances de atendermos alguém bem relacionado junto aos que mandavam no bairro seria uma forma de garantir alguma segurança. Não que eu colocasse na ficha de anamnese uma pergunta se a pessoa era relacionada com alguém do primeiro comando... mas a gente nunca sabia. Se ela fosse, era ponto positivo.
Acontece que na época que fui abordado por dois elementos o dono do bairro tinha sido preso. Preso ou assassinado, eu não sei. Eu sei que o bairro estava desprotegido e a bandidagem estava em polvorosa. Um dos motivos porque crimes não aconteciam com maior frequência enquanto o dono do bairro estava na ativa, é porque quando alguém era assaltado, roubado ou furtado, a policia era chamada. Policia na área nunca era bom para os negócios. Se alguém roubasse e fosse pego, diziam que não vivia por muito mais tempo.
Consultório de bairro da periferia você tem que estar sempre a disposição. Chega cedo, abre tudo, prepara para os pacientes agendados, gerencia telefone, agendamento, emergência, caça moscas, faz palavras cruzadas, limpa o consultório, espera, espera, quando está virando a chave para fechar tudo, aparece uma emergência implorando peloamordedeus para ser visto, você ficou caçando moscas e limpou o consultório o dia inteiro, não tem por que não mostrar a limpeza para aquele paciente de emergência. Fica puto quando depois de abrir sua caixa de endo, usar suas limas e tirar todo o material para aquela pulpotomia de emergência e o paciente diz que vai voltar no dia seguinte para pagar, mas só não falou qual dia seguinte.
Aquela tarde estava assim. Eu estava com um projeto muito arrojado. Eu estava informatizando meu consultório. Naquele ano tinha ido no CIOSP e tinha gastado os tubos na compra de um software para gerenciamento do consultório. Estava usando o meu tempo de maneira muito produtiva, passando todos os meus 50 pacientes para o computador – um laptop da Acer – e estava catalogando os procedimentos, customizando ícones e aprendendo a usar o modulo financeiro. Minha sala – a menor descrita acima – ficava com a porta aberta quando não estava em atendimento e fechada quando estava em atendimento. Naquele momento eu estava passando todas as informações para o computador e um rapaz novo – seus 16, 17 anos – acenou com a mão e perguntou se poderia fazer um orçamento. Claro!
Ele entrou, eu preenchi aquelas fichas brancas e vermelhas com o odontograma e uma tabela para escrever o plano de tratamento e orçamento. Ele entrou deu o nome, endereço e data de nascimento. Coincidentemente e curiosamente aquele dia era o aniversario dele de 18 anos. Fiz o exame, entreguei a via original para ele, guardei a carbonada e despedi o rapaz. Quando abri a porta para ele sair, vi sentado na sala de espera um outro rapaz, mas nem pensei que fosse para alguma coisa para eu atender, porque uma outra Dentista que alugava o consultório do meu irmão naquele dia estava atendendo também. Quando o paciente saiu e eu estava encostando a porta para poder começar a limpar o material aquele que estava sentado na sala de espera puxou um revólver calibre 38, apontou para minha cabeça e falou para que eu ficasse quieto e fosse para o canto do consultório. Ali no canto, eu levantei as duas mãos indicando que não reagiria e não falei nada. Ele pegou a chave do carro, a chave do consultório, o controle remoto do ar condicionado(?), o computador (laptop) e o mouse do computador e saiu correndo. Trancou a porta de entrada do consultório e sumiram.
A Dentista que estava ali naquele dia e a secretaria estavam no consultório deles e nada viram ou ouviram. Quando vi que eu poderia sair da minha sala, entrei na sala onde elas estavam para poder pegar a chave para abrir a porta e falei o que tinha acontecido. Foi um desespero. Começaram a chorar, sentaram na cadeira e começaram a tremer. Mas... fui eu quem tive a arma apontada para minha cabeça... mas tudo bem... liguei para a policia e dali 30 minutos uma viatura chegou. Fiz a descrição dos dois, entreguei a via carbonada para a policia com as informações do que tinha entrado para fazer orçamento e, com isso, estava certo de que pelo menos meu computador poderia ser recuperado.
Quase 1 mês depois de tudo que aconteceu, fui chamado na Delegacia de Policia para fazer o reconhecimento de uma fotografia. Não era o cara. Quando estava saindo, um dos investigadores me falou: O pedido de busca e apreensão na casa do assaltante havia sido negado pelo Juiz porque aquilo poderia traumatizar o rapaz. O ladrão foi tão burro e sortudo ao mesmo tempo que, não somente ele me deu o nome, idade e endereço dele mesmo deu sorte de o Juiz ficar com pena dele. Naquele momento minha esperança na Justiça acabou. Eu tinha o nome, idade e endereço da pessoa que tinha me assaltado e por que o Juiz não quis traumatizar o ladrão nada foi feito.
Quando alguém me fala que um dos motivos a deixar o Brasil é a segurança, entenda que eu compreendo muito bem o que me falam, porque eu vivi não somente a falta de segurança, mas, também, a ausência da justiça. O caminho para praticar a Odontologia nos EUA existe. Consulte um advogado de imigração, estude, prepare-se e venha.
Um abraço e sucesso sempre!