Linguagem
Perguntar o itinerário é algo muito, mas muito difícil de responder. É mais fácil dizer que sai de São Paulo e cheguei até Boston. Na verdade, acho que minha escala aconteceu em Miami. Isso não importa. O que importa é que a agente sai de um avião repleto de gente que fala a sua língua e embarca em outro onde quase ninguém o faz.
“Can I have some water, please?” – passa a ser o que você fala pra aeoromoça.
“No, thank you!” – quando te oferecem amendoim.
“Sure!” – quando você não entende o que te perguntam. E ai esta um dos segredos. A linguagem não verbal.
Uma coisa que eu aprendi logo quando cheguei aos EUA é que a maioria das vezes você entende o que é falado com você através da linguagem não-verbal. Isso é uma coisa que a gente aprende com os anos, não tem como ensinar e somente tomando tombos no decorrer da vida que a gente aprende.
E o que se quer dizer com linguagem não verbal? Justamente o que se diz. Aqueles movimentos do corpo que expressam o desejo, sentimento e vontade da outra pessoa. Se a pessoa está falando com você e mexe a cabeça pra cima e pra baixo, existe uma grande chance de ser algo bom e interessante. Chances grandes de ser uma coisa boa e responder positivamente pode ser uma resposta de sucesso. O oposto também resolve. Se a pessoa está mexendo a cabeça de lado e com a testa franzida como se estivesse fazendo força pra cagar, as chances de não ser uma coisa boa também são muito grandes. Faz assim: rosto aliviado, sim. Rosto com cara de cagar e testa franzida é não.
Mas tem vezes que a gente não consegue responder observando a linguagem não verbal da pessoa. As vezes a outra parte esta atrás de um balcão, ou uma janela de vidro, no drive-thru ou até mesmo no telefone. Mas aqui a gente pode dividir em duas situações bem distintas: Quando você vê a outra parte e quando não se vê.
Quando você consegue ver a outra parte, mas você está separado por um balcão, vidro ou qualquer outro aparato, é muito importante ver como a pessoa mexe a boca. Vai parecer que você é meio doido vendo o lábio da pessoa mexendo, mas isso pode ajudar bastante. Isso porque você já vai ter um certo conhecimento do idioma quando você se aventurar a uma situação como essa. Quando não se tem conhecimento sobre o assunto as chances de acontecer o que aconteceu comigo são muito grandes.
Antes de eu ser contratado pela loja de roupas onde eu trabalhei os 8 primeiros meses quando cheguei, eu fui a uma agência de empregos aqui na cidade, procurar preencher alguns formulários para tentar conseguir alguma coisa pra fazer.
Eu cheguei, me apresentei e logo recebi uma prancheta com um maço de papel pra preencher. Nome, nascimento, endereço, seguro social, exame de fezes, urina, sangue... tudo. Escolaridade, onde fez escola, nota depois que se formou. Levei quase uns 20 minutos preenchendo tudo aquilo.
Quando eu cheguei para a atendente com a papelada toda preenchida, ela deu uma olhada e me perguntou:
“Sir, do you have any disability?”
O “do you have any” eu entendi muito bem. O “Sir” também. Mas “disability” era uma coisa que eu nunca tinha ouvido falar antes na minha vida. Nem os 10 anos de inglês que eu tinha feito no Brasil tinha me colocado uma palavra como essa. Eu não imaginei estar frente a frente com um falso cognato.
Os falsos cognatos são aquelas palavras que tem um significado completamente diferente daquele que a gente acha que é. Exemplo? “policy” Não é policia, é politica de trabalho, um documento. “Assist” não é assistir, é ajudar. “Tax” não é taxa, é imposto. E por ai vai.
A moça me perguntou se eu tinha algum “disability” e a única coisa que me veio no cabeça foi o “ability”. “Ability” é habilidade, mas meu subconsciente ignorou completamente as três primeiras letras: D, I e o S. E isso deu um sentido completamente diferente do que eu tinha – ou queria ter – entendido. Primeiro porque eu nunca tinha ouvido falar nisso e outra porque eu não queria ter que pedir para ela repetir. Eu fui na minha sabedoria. Se eu tenho alguma “habilidade”? Claro que tenho.
O termo “disability” é usado quando a pessoa tem algum impedimento para realizar qualquer trabalho. Quem tem um “disability” geralmente não pode trabalhar. Seja problema nas costas, no joelho, muscular ou mental.
Mas eu disse que meu subconsciente ignorou o “dis” do “disability” e eu respondi:
- “I can tap dance.” – Eu posso dançar sapateado.
Primeira coisa:
Vai à merda!
Segunda coisa:
Eu realmente posso. Não sou e nunca fui o melhor nesta arte, mas se pra conseguir um emprego eu precisasse mostrar alguma coisa diferente, porque não alguns passos?
Bom, depois desta a moça olhou pra mim e gritou:
- “SIR, CAN YOU WORK?” quase soletrando a frase toda.
“Yes, sure!”
Fui embora pensando que eu precisaria carregar um dicionário comigo, ou quem sabe procurar emprego onde umas palavras difíceis assim não existissem.
E eu nunca fui chamado pra qualquer entrevista.