Abram os Olhos
Imagine você chegando para sua primeira conversa com o Diretor Executivo da nova companhia onde você foi recentemente contratado. Depois de vários meses de espera para dar inicio a uma nova atividade no lugar onde você pretende reiniciar sua vida profissional e supostamente receber o sustento para sua vida pessoal, você se depara com uma conversa – a princípio – amigável e informal, mas no final de tudo acaba se tornando uma mensagem vinda diretamente das profundezas da insensibilidade humana.
Por algumas semanas logo depois que eu cheguei aos EUA, nem o trabalho como Dentista e nem o trabalho como Sales Associate fizeram parte do meu dia a dia. Antes de ser contratado pela Loja onde eu tomaria minha decisão de permanência nos Estados Unidos, eu comecei a procurar por trabalho em qualquer área que me aceitasse. Não seria problema se eu tivesse alguém que me conhecesse e me desse aval junto ao empregador. Aqui nos EUA isso vale muito, principalmente para trabalhos na construção civil. O trabalho existe, tem quem empregue, tem quem pague mas se você não tiver quem te conheça para dizer: “pode confiar que ele é ponta firme” isso dificilmente acontece. Pode acontecer, mas é difícil.
Nos primórdios da internet – digo há aproximadamente 10 anos – a procura e oferta de emprego online estava engatinhando. Uma oferta aqui e outros sites suspeitos mandavam emails aleatório – spams – para quem desejasse buscar uma vaga de emprego. Como muitos, eu comecei a procurar através de sites de ofertas de emprego alguma oportunidade que me tirasse de casa e pudesse me dar, não dinheiro, mas pelo menos alguma atividade que me desse o que fazer. Ficar parado vendo o tempo passar pode deixar a pessoa completamente despirocada.
Em uma destas buscas eu vi uma oportunidade que parecia dar um rendimento interessante mas sem muito trabalho. Hoje eu vejo que isso é no mínimo suspeito, mas naquela época porque não tentar? Mandei um email mostrando interesse e não muito depois recebi um email de volta. Eu deveria saber que era problema quando o Firewall do computador bloqueou o email. Mas teimoso, desesperado para trabalhar e uma burrice cegando meu bom senso eu acabei desabilitando o Firewall e lendo a mensagem.
A oportunidade parecia ser real e muito promissora. Eu venderia facas. Mas não uma faca qualquer, muito menos as Guinsu 2000. Eram facas artesanais, feitas por mãos calejadas e habilidosas. Facas que possibilitariam um corte certo e preciso. Sem demonstrações em latas de cerveja, sapatos ou vergalhões. Aquelas seriam facas para a vida toda. O problema é que a entrevista para conseguir uma oportunidade ocorreria em determinado dia a aproximadamente 20 milhas de onde eu estava. Eu não tinha carro e acabei conseguindo uma carona com um rapaz que morava na mesma casa que eu.
Esta história eu ainda contarei em outra ocasião. Preciso voltar ao inicio de tudo. Vamos la:
Durante o trajeto para esta entrevista eu recebi uma ligação de um numero que eu não conhecia. Sem saber a procedência eu atendi e me deparei com uma voz rouca e nada simpática. Esta voz rouca e nada simpática vinha de alguém do Centro de Saúde Comunitário onde eu havia aplicado para trabalhar logo quando cheguei. Ele estava ligando para saber sobre uma mensagem que eu tinha deixado na secretária eletrônica dele, que mesmo sem saber como fui parar la, eu acabei deixando. Sinceramente ele não estava muito feliz de estar ligando para alguém que ele não conhecia mas parecia estar muito interessado em trabalhar naquele local. Tentei explicar quem eu era e o que eu queria fazer e recebi uma resposta como “Eu sou muito ocupado e não tenho tempo para isto. Não ligue mais neste numero”.
Tudo bem que as palavras não foram estas. Estou fazendo aqui uma paráfrase, mas a mensagem final foi compreendida. Passei pela entrevista da faca, graças a Deus não consegui nada por lá. Seria a maior fria da minha vida. Como disse anteriormente outra hora eu conto.
Pouco depois deste episódio, a oportunidade na loja aconteceu, meses depois o chamado para trabalhar na Clinica e o resto é historia.
A conversa pelo telefone ficou um pouco esquecida por alguns meses. Eu trabalhei cerca de 4 meses na loja até ter recebido a ligação para a entrevista para trabalhar como Dentista. Tudo correu bem, fui chamado para uma conversa com o Diretor Clínico, ele me apresentou ao local de trabalho, as pessoas e ao seu Chefe. Um senhor de cerca de 60 ou 70 anos, de baixa estatura, cabelos loiros e grisalhos, porte físico atarracado, um longo bigode e barba por fazer. Vestia um terno cor-de-burro-quando-foge, uma camisa cor de mostarda e uma gravata frouxa, mais para mostrar a formalidade da posição que ocupava do que elegância. Talvez, também, por ele não ter muito pescoço para aceitar uma gravata bem ajustada.
Quando eu estendi a mão para cumprimentá-lo a sua voz voltou como um soco no estômago. Aquela pessoa era a que tinha me ligado aquela ocasião que eu estava indo fazer a entrevista. Aquela voz vinha do Diretor Executivo da Clinica. Que mundo pequeno. La estava eu na frente da pessoa que disse que eu não deveria ligar novamente para ele e que ele era uma pessoa muito ocupada. De fato era, nunca questionei isto, mas a minha dúvida era se eu permaneceria trabalhando ali por muito tempo.
O processo de admissão passou. Muitos documentos preenchidos, exame médico e longas conversas com o departamento de Recursos Humanos. No dia marcado para o meu inicio eu recebi um convite para conversar com o Diretor Executivo.
Devo dizer que aquela conversa não foi nada do que eu imaginava. Ele sentou-se atrás de sua mesa em um pequeno escritório. Ele tinha ao seu lado esquerdo uma prateleira de livros, pilhas de papéis sobre sua mesa e um pequeno quadro colocado na parede de trás com o Diploma de uma Universidade da Nova Inglaterra.
Como um bom americano de origem irlandesa ele não era de muitas palavras. Ele era preciso, curto e direto. Sua mensagem foi muito bem elaborada e plantada dentro de mim para permanecer para sempre. Disse ele: “Você irá iniciar sua atividade conosco e passará por uma período de experiência de 3 meses. Nós ficaremos te observando durante todo este tempo. Se você fizer alguma coisa errada tenha certeza que nós vamos saber”.
Eu disse no inicio que a mensagem dele tinha vindo das profundezas da insensibilidade humana. Talvez um pouco de exagero, porque alguém que faz um comentário deste certamente não tem humanidade. Mas eu não posso me queixar. Este Diretor Executivo tinha como background uma carreira de sucesso dentro da área de Saúde no Estado. Ele sabia o que fazia e certamente sabia o que estava falando. Soou-me estranho somente ter iniciado minhas atividades como Dentista ali de uma maneira tão contundente como aquela. Um aviso, por certo, providenciado por Deus para que se eu fosse iniciar minhas atividades ali, fizesse isso de maneira correta e sem atalhos.
Aquela conversa funcionou. Os 3 meses de experiencia passaram e ainda por outros 137 meses mantiveram aquele momento ainda estampado na minha memória. Um aviso, com certeza, de que se eu pisar na bola alguém estará lá para me observar.
Abra bem os olhos!
Um abraço o sucesso sempre!