Desafios e Lições: Uma Jornada pela Faculdade de Odontologia Americana
Depois que a gente aprende a navegar dentro da Universidade a impressão que se tem é de que o mundo não é tão simples como se imaginava. O que parecia fácil é difícil e o que certamente se mostrava difícil se mostra quase impraticável. A nossa vivência dentro dos muros de uma Faculdade de Odontologia Norte Americana em nada se assemelha ao que experimentamos no Brasil. Claro que essa é a impressão de uma pessoa e que certamente não se reflete diretamente a todos os que passam pela mesma experiência. No entanto, creio que seja válida a idéia de mostrar algumas diferenças que venho encontrando no meu ingresso na clínica e, talvez, ajudar quem esteja buscando o mesmo caminho.
“Todo calouro, por definição, é burro”. Essa afirmação foi gravada a ferro e fogo na minha memória logo nos primeiros dias do meu primeiro ano de faculdade. Aquela época o “politicamente correto” não estava em moda e humilhações eram algo costumeiro para quem ingressava na Faculdade. Essa afirmação carrega dentro dela uma verdade inegável, mesmo para aqueles que queiram passar pano para quem é iniciante em qualquer atividade. A burrice, em si, é uma coisa normal, uma vez que a gente não tem qualquer noção do que está acontecendo ao nosso redor. Se a gente entende isso logo de início, aceitar a condição fica mais fácil e menos pesada de carregar. Não digo que seja fácil, mas quando se aceita o orgulho dói menos.
A minha “calourice” dentro da clínica bateu com força logo no primeiro dia. Eu estava completamente perdido! Eu sabia que precisava limpar o consultório, usar as barreiras de proteção depois de limpar a cadeira, buscar o material a ser usado e… só. Anotações? O que vai ser feito? Quem viu a última vez? Qual o padrão de retorno do paciente? Quando foi feita a última limpeza? Anotações de Periodontia? História médica? Parecia aqueles questionários de Geografia da Professora Carlota que deixavam qualquer um desajustado. No meu caso não foi nada diferente.
O procedimento clínico aqui é dividido em pacientes de Periodontia e os demais. Se um paciente precisa fazer uma limpeza, um dos professores de Periodontia precisam checar o paciente e dar a ordem para o procedimento começar. Mas antes disto é preciso saber se ele está ali na consulta para o que a gente chama de “recall” ou “re-evaluation”. O primeiro caso é quando o paciente retorna para fazer limpeza periódica que se divide em 3 meses, 4 meses ou 6 meses. Três meses a gente sabe que o paciente é de alto risco, quatro menos e seis meses é o retorno normal esperado. Se o paciente está ali para fazer uma restauração, mas ele está atrasado no sua manutenção periodontal, a restauração fica em segundo plano e é sua obrigação chamar o professor de Periodontia para fazer uma avaliação inicial e saber dele(a) se a restauração pode ser concluída ou se a limpeza e profilaxia deve ser feita primeiro. Dependendo da sua habilidade clínica e a ordem do professor de Periodontia é possivel fazer os dois procedimentos, mas desde que a limpeza seja feita antes, aprovada pelo professor para que depois se faça outro procedimento.
Outro caso são as moldagens para coroa. Se o paciente não estiver com as consultas de limpeza em dia e o Professor de Periodontia do dia não dê o aval para que a moldagem aconteça, pode esquecer. Se tiver um sinal de gengivite, placa bacteriana ou algo que fuja do normal, a moldagem não irá acontecer. É muito importante, então, que o aluno deixe muito bem claro para os pacientes que se a higiene oral não esteja em dia o tratamento vai levar muito mais tempo do que o esperado. E para não ser diferente do que a gente já estava acostumado, tem sempre os professores que aterrorizam os alunos. Esses são os mais difíceis de se lidar. Ou não.
No meu terceiro ano da Faculdade, o que a Periodontia faz por aqui, a Endodontia fazia por lá. Mesmo que a Endo não tivesse o mesmo poder sobre os demais procedimentos, os dias de aula teórica e prática eram, sem dúvida, os dias mais temidos e menos esperados por todos. “O terror da Endo” era o Testão com cinquenta perguntas onde cada duas erradas eliminavam uma certa - para que os alunos não chutassem as questões - e a prática clínica que era regida por mão de ferro pelo então futudo Reitor da Faculdade. Quando eu olho para trás eu penso que ter vivido aqueles dias de stress psicológico acabaram me dando uma certa casca para o que hoje eu posso passar junto com a Periodontia aqui. A vantagem é que hoje eu acho que não me importaria tanto com os insultos e menosprezos que vivi antigamente e, talvez, achasse até graça se me chamassem de “ostra”, “toupeira” ou “burro” como alguns professores da Endodontia faziam. Mas mesmo que esses termos não apareçam na versão em inglês, o que se faz são comentário como “você está usando uma lupa e não viu esse cálculo aqui? Pra que gastar dinheiro com isso?”. Ou “Como é que você não sabe qual a classificação da condição Periodontal? Isso não foi ensinado em sala de aula? Você faltou a aula?”. Isso tudo da frente do paciente, só pra dar um gostinho a mais do sentimento de merda que a gente fica.
Ah… os anos da Faculdade… eu sei que vou sentir falta destes, assim como eu sinto falta daqueles já há mais de 25 anos. Se a gente pensar que estamos passando por tudo isso para simplesmente ter um Documento, a impressão que se tem é que está saindo mais caro do que já é. Se a gente pensa que mesmo passando por isso a gente pode aprender a ser mais resiliente e aprender com os nossos erros, talvez o preço não seja tão caro. Eu acho que o que vale é realmente aprender com os erros, e seguir em frente. Demorou muito para eu entender que o problema não é errar, mas não aprender com o erro e ter medo de ter novos erros. Ser ousado pode ter um custo alto, mas ao mesmo tempo tem o poder de ensinar o que ninguém teve a chance de fazer. Claro que o melhor é aprender com os erros dos outros, mas aí é outra história.
Um abraço e sucesso sempre!