Um dia de cada vez
No ano passado eu me encontrava em uma busca frenética para conseguir a aprovação no INBDE. Pelo menos 3 horas diárias de estudo durante a semana mais os finais de semana dedicados a aulas online – do canal Mental Dental no Youtube – aplicativos com questões a serem resolvidas e muito apoio de familiares e amigos. Os dias iam passando, eu tinha em mente todo um plano a ser seguido onde tudo parecia estar muito bem cronometrado. Prova no final de fevereiro e início de março, resultado em duas semanas e prova de inglês uma semana antes do início da janela de inscrição para os programas de residência em Endodontia. Estava tudo certo e arranjado.
Com exceção do resultado da prova de inglês que eu tive que refazer por conta de uma nota muito baixa, tudo correu dentro do cronograma. O resultado da prova de inglês acabou atrasando o envio da aplicação para os programas, mas foi por coisa de um ou dois dias; nada que pudesse causar grandes problemas, uma vez que na pesquisa que eu fiz era dito que os programas de Residência para Endodontia eram os primeiros a chamar seus futuros alunos para entrevistas. Tudo corria muito bem dentro do cronograma estabelecido.
Isso me deu muita tranquilidade, por justamente eu ter alvos concretos e possíveis de serem conquistados. Eu tinha tempo para me preparar e depois de muita pesquisa eu tinha um plano bem delineado para cada passo que fosse necessário. Aprenda uma coisa na sua vida: Nada do que você faça sem planejamento irá te dar paz de espírito. Você tem um alvo, cria a estratégia correta para chegar aonde você quer, tudo acaba acontecendo no tempo certo e da maneira certa. Certo?
Às vezes nem sempre.
No meu caso eu acho que acabei mirando um pouco mais verticalmente do que eu deveria. Partir do submundo da odontologia norte-americana para o patamar de Residente em uma das mais concorridas áreas de especialidade nos Estados Unidos parecia ser um pouco demais. E quando eu digo submundo, não quero dizer ou fazer parecer como sendo uma coisa ruim. Na verdade, este lugar de trabalho dentro da Odontologia norte-americana ainda não teve o seu devido reconhecimento feito por parte da sociedade odontológica local. Digo isto, porque o trabalho em Community Health Center para muitos Dentistas Americanos não é visto com muito glamour. Eu sei que a maioria dos Dentistas americanos vão dizer que é um trabalho importante a ser feito para a comunidade, mas poucos deles dedicam seu tempo para fazê-lo. Talvez, por isso, o Estado de Massachusetts tenha criado a possibilidade para que Dentistas estrangeiros pudessem ser o braço de atendimento destes pacientes que não dispõe de recursos financeiros para serem atendidos, tendo seus problemas odontológicos devidamente endereçados. Neste caso, eu sou muito grato pela oportunidade a mim oferecida.
Mas como eu ia dizendo, eu acho que acabei querendo dar um passo maior que a perna buscando uma residência em Endodontia sem que tivesse no meu curriculum uma passagem eficiente e significante dentro de instituições reconhecidas pela CODA – Commission of Dental Accrediation – o órgão que regulamenta o ensino da Odontologia nos Estados Unidos. Confesso ter ficado feliz – nem tanto – com a lista de espera que eu consegui na Universidade da Carolina do Norte, e talvez pudesse ter sido a grande exceção do mundo Endodôntico local tendo cursado um programa tão bem reconhecido nacionalmente e, quem sabe, mundial. O fato é que não era para eu ser chamado para este programa e depois de muita reflexão, oração e trabalho contínuo eu cheguei à conclusão de que eu precisava fazer as pazes com esta situação. Vou focar em uma alternativa.
A alternativa mais clara era a volta a um antigo plano de cursar o Advanced Standing Program na Boston University. Mas por que na Boston University e não em uma das outras vinte e tantas escolas espalhadas nacionalmente? Bom, primeiro que estamos falando de Boston, cidade a cerca de uma hora de distância da onde eu moro. Segundo, estamos falando de uma das cidades mais sensacionais que você pode querer conhecer. Não só pela história passada naquelas ruas estreitas de uma das cidades berço deste grande país, estamos falando de uma das mais renomadas instituições de ensino odontológico do mundo. Se morar nos Estados Unidos te dá algum destaque, ser graduado pela BU – carinhosamente chamada por todos – as portas do mundo se abrem para você. (Digo isto porque quando fui visitar meus pais em Dubai no início dos anos 2000 um dos Dentistas que trabalhavam no consultório onde eles eram atendidos era formado pela BU e naquele dia eu aprendi que qualquer um que fosse graduado em uma instituição norte-americana ou inglesa poderiam trabalhar naquele país).
Mas o problema foi que eu acabei demorando muito para enviar a minha aplicação para a BU pelo motivo de ter ficado na lista de espera da UNC. Demorou muito para que eu fizesse o envio da aplicação, porque eu tinha a remota esperança de ser chamado para viver no sul dos Estados Unidos. Quando estava conversando com uma colega que concluiu o ASP (Advanced Standing Program) da BU no final de 2010 ela falou para que eu não esperasse muito tempo para enviar a aplicação. “Não espera.” Ela disse. “Quanto mais cedo você envia, mais cedo eles te dão uma resposta, porque o processo de seleção acontece continuamente”. Contrariando, então, o que eu tinha planejado inicialmente, eu enviei a aplicação e deixei tudo rolar.
E tudo rolou.
Há cerca de duas semanas e meia eu recebi um e-mail me convidando para uma entrevista para o ASP da BU. Quatro dias depois eu estava no trabalho vestindo meu melhor traje, sentado na frente de um computador fazendo uma entrevista via Zoom com o Assistant Dean for Clinical Affairs da Boston University. Quando eu paro para pensar por onde eu estive, o que passei, o que aprendi e como eu cresci pessoalmente e profissionalmente até chegar naquele momento eu penso no quanto Deus me moldou internamente até aquele instante. Ainda que a minha idade tenha sido vagamente e não diretamente mencionada durante a entrevista, uma das perguntas feitas pelo entrevistador foi por qual motivo depois de quase 25 anos de experiência decidir voltar por período integral aos bancos de uma Universidade.
Ainda que a resposta possa ser clichê como “quere continuar aprendendo” ou “não querer deixar tudo parado” ou a mais certa “querer ter liberdade profissional para navegar dentro do mercado de trabalho local”, eu acho que no meu caso além do clichê mencionado é a oportunidade de continuar galgando um sonho. Se para eu me tornar um Endodontista eu preciso passar por este processo, eu vou fazer de tudo e aproveitar o máximo que eu puder para poder concluir mais esta etapa e não parar. Se a falta de uma Escola reconhecida pelo CODA me fez não ser reconhecido pelas instituições de ensino de Endodontia local, ter um certificado emitido por uma das mais renomadas instituições de ensino do mundo pode me abrir portas para um futuro ainda mais promissor.
Se talvez a idade possa parecer um problema a ser considerado, hoje eu me vejo mais como aqueles que dizem que gostariam de saber o que sabem se tivessem 21 anos. Neste sentido, e Deus me dando a oportunidade de ingressar no programa este ano, eu sei que eu serei este sujeito que tem uma história de vida e história profissional acumulado durante os anos e com a mente aberta e o coração pronto para novas experiências e aprendizado.
Um abraço e sucesso sempre!