Calibração Cultural - Parte II
Muito se fala da acomodação e do senso de propriedade que esta nova geração parece ter. Aqui nos Estados Unidos falam que são parte de uma geração que se acha no direito de ter o que querem e quando querem. O termo usado aqui é “entitled”. Aos dez anos o meu direito era ir para a escola, tirar notas boas, obedecer a meus pais e ser grato. Atualmente a minha busca diária é criar uma menina que vive imersa em um mundo totalmente diferente do meu de quando eu tinha a sua idade e posso dizer que não é tarefa fácil.
Eu creio que já tenha comentado aqui no blog sobre algumas diferenças culturais entre o Brasil e os Estados Unidos. Ainda que este ano eu complete meu décimo terceiro ano por aqui, eu ainda venho passando por um processo de calibração cultural muito intenso e eu confesso não ser tarefa fácil. Conseguir me adaptar a uma forma de se observar a vida diferente do que eu aprendi e vivi por mais de 30 anos não poderia mudar de uma hora para outra e o meu processo de crescimento parece estar passando por um momento muito intenso.
Logo quando estava para deixar o Brasil em 2007 meu pai conversou comigo sobre um assunto muito interessante. Ele viveu muito tempo da sua vida viajando para os Estados Unidos em viagens de trabalho. Ele conheceu de perto a cultura norte-americana no início dos anos 70 quando fez pós-graduação e continuou em contato com a cultura norte-americana mantendo contato profissional com americanos que trabalhavam na mesma companhia. Por muitas vezes ele viajou para os EUA e eu me lembro, certa vez, ter ficado mais de 2 meses fora. Foi tanto tempo, que foi possível ele enviar cartões postais para casa, em uma época onde os correios levavam semanas para entregar correspondências internacionais.
Durante esta conversa que tive com meu pai ele falou uma coisa que me marcou muito. Ele disse: “Nos Estados Unidos não significa não”. Estranho ele ter falado isso. Para mim não sempre significou não, mas demorou para eu compreender a sua intenção em reafirmar esta frase.
Aqui nos Estados Unidos as pessoas não veem as coisas com melindre ou segundas intenções. Tudo bem que existem aqueles que o fazem, mas não é comum que isso aconteça. Quando você ouve um “não” por qualquer motivo que seja e mensagem que chega aos ouvidos de quem ouviu é a negação de alguma coisa. “Posso emprestar sua caneta?” Existem duas respostas para esta pergunta: Sim e não. Se sim, a pessoa que emprestou espera ter a caneta devolvida depois de usada. Se não, a pessoa que pediu entende que lhe foi negado o uso por qualquer motivo existente. Não é preciso explicar o motivo da negação. Procura-se outra caneta e a vida segue.
Se situação similar acontece no Brasil existem alguns desdobramentos interessantes que podem acontecer. Ao pedir uma caneta emprestada, a pessoa que pede já vai certa que vai conseguir a caneta emprestada e o pedido funciona mais como uma formalidade. Se ela ouve um não, a primeira coisa que acontece é a pergunta: “porque não?”. Se esta pergunta não vem imediatamente associada à negação do pedido, quem pediu vai pensar que a pessoa dona da caneta tem alguma coisa contra ela.
A impressão que eu tenho é que o Brasil é o único lugar do mundo onde a palavra “não” não tem o seu significado compreendido. No Brasil a pessoa dona da caneta se sente obrigada a emprestá-la para que não passe para a outra parte a idéia de que existe qualquer problema entre elas. E ainda que exista, quem pede emprestado sabe que é quase certo conseguir o que se quer.
Carregar este fardo de querer agradar a todo mundo é uma coisa que eu aconselho qualquer um que deseje imigrar para os Estados Unidos aprender a deixar de lado. Aprender a ouvir “não” é parte fundamental da habilidade de viver nos Estados Unidos. Você não perde um pedaço do seu corpo quando fala e certamente não vai criar um inimigo para a vida quando disser um para alguém. Os Americanos têm fama de serem frios e não se importarem com as outras pessoas, mas isso não é verdade. O que eles não fazem é querer agradar a todo mundo e, principalmente, não levam nada pelo lado pessoal. Isso é o ponto nevrálgico neste processo de calibração cultural porque ter a habilidade de separar as coisas como elas realmente são não é tarefa fácil. Leva tempo para conseguir deixar de lado aquele ranço e melindre que cresce com a gente em uma cultura onde todos querem agradar a todos.
Viver em paz não é viver sonhando agradar a todos. Viver em paz é simplesmente viver.
Um abraço e sucesso sempre!