Aprendizado
Não tem muito o que fazer. Não tem muito o que falar. Nestes meses iniciais do ano de 2020 pouco ou quase nada para acrescentar. O ano anterior terminou com uma grande expectativa para o ano corrente. Muitos planos e projetos. Uma parceria com uma equipe fenomenal que se iniciou, uma visita familiar há muito postergada e outros planos a serem cumpridos. A parceria se estabeleceu, a visita foi excelente... faltavam ainda cerca de 10 meses para tudo se concretizar.
Mas nos primeiros dois meses nem tudo foram flores. A minha sensação foi como daquele cara que se levanta as seis da manhã, respira fundo e diz: “Hoje vai ser meu dia!”. Ao se levantar, tropeça no gato, cai sobre o cachorro que sai ganindo, bate a cabeça na porta, levanta e diz: “Hoje vai ser meu dia!”. Toma banho, coloca seu melhor terno, amarra seu sapato mais brilhante depois de engraxa-lo na noite anterior, toma um café reforçado e está pronto para seu dia. O seu dia e o de mais ninguém. Quando ele sai de casa e atravessa a rua um carro a toda velocidade o atropela e o dia acaba dentro do Hospital.
Eu passei por um momento de muito aprendizado neste início de ano. Ao fazer a renovação da minha Limited License para o ano de 2020, eu fiquei à mercê da incompetência do sistema postal americano. Não me entenda mal. Incompetência pura e simples. Com mais de um mês e meio de antecedência eu enviei toda a documentação necessária para a renovação. Foram mais de 2 meses para que eu recebesse a licença pelo correio. Tem mais: Quando eu percebi que não receberia a tempo, entrei em contato com o Board of Dentistry de Massachusetts e implorei para que outra fosse emitida.
A preocupação maior estava na necessidade – aparente até então – de se enviar a cópia da licença para o Departamento de Saúde do Estado para que a minha licença junto à eles para o corrente ano de 2020 pudesse ser renovada. Por um lado eu acabei ficando seguro pela emissão do numero da licença de maneira online – o que meu autorizava a trabalhar – mas por outro, de acordo com os requerimentos exigidos pelo Departamento de Saúde do Estado, eu precisava enviar uma cópia da minha licença para eles para que eu pudesse ter a licença para prescrição de medicamentos renovada.
Nada disso aconteceu. Uma quarta feira qualquer eu recebi uma ligação no meu aparelho celular vindo do meu Diretor Executiva. Ele estava furioso, porque a minha licença para prescrever medicamentos tinha vencido no último ano de 2019. Até aquele momento eu tinha prescrevido medicamentos de maneira ilegal junto ao Estado. Todos os pacientes que receberam prescrição minha seriam auditados, meus privilégios junto à companhia seriam suspensos e eu estava correndo o sério risco de perder meu emprego. Porque o correio não tinha entregado ainda minha licença.
A correria, ansiedade, choro, questionamentos, tudo de uma vez só. Fui tido como alguém que não se importa com o que é realmente importante na minha vida. Relaxado, inepto, irresponsável e todos os demais adjetivos pertinentes àqueles que deixam passar a data para renovação da sua licença de trabalho. Muitas ligações telefônicas depois eu aprendi que a licença emitida pelo BORID serve somente para ficar pendurada na porta do consultório, como exigência do próprio BORID e do Departamento de Saúde do Estado. O pedido para a licença para prescrever poderia ter sido feita simplesmente com o print da licença do BORID obtido online. Eu quase perdi meu emprego porque o serviço postal não fez o seu trabalho e por uma tecnicalidade que foi somente confirmada como tal quando eu falei diretamente com o responsável pelo Departamento de Controle de Prescrição em Boston. Ele me confirmou que eu poderia simplesmente enviar o print da licença emitida pelo BORID e não exclusivamente a cópia da licença.
Passado todo este perrengue, choro, ansiedade e vendo a viola virando caco, uma semana depois eu recebi a licença emitida pelo BORID pedida em Dezembro de 2019. Outra semana depois, a segunda via chegou; ambas pelo correio.
Aprendizados de lado, tudo isso serviu para que eu aprendesse que o mundo digital está sendo muito mais valorizado do que o mundo físico. Aprendi que o sistema postal norte-americano não é tão confiável quanto eu imaginava e que mesmo olhando para os dois lados da rua antes de atravessar – seguir as instruções – nem sempre nos livra de ser atropelado.
Algumas semanas após o ocorrido, quando eu já estava me levantando e ganhando confiança novamente, a quarentena aconteceu. Duas semanas depois aqui estou eu, de licença e sem data definida para retornar ao trabalho.
Um dia de cada vez.
Um abraço e sucesso sempre!