Confiança
Ouve-se há muito tempo a história de um pai que estava brincando com o filho. Ele coloca o filho sobre um muro um pouco mais baixo que ele, mas bem mais alto que o filho e diz: “Filhinho pode pular que o papai de te pega”. Naturalmente muito hesitante o garoto totalmente amedrontado de estar onde está começa a chorar de medo. Com a insistência do pai e a certeza inocente de poder confiar no próprio pai ele pula. E o garoto pula. Ele pula para ver a imagem do pai dando um passo para o lado, colocando suas mãos para trás e balançando a cabeça para cima e para baixo aprovando aquele momento. O menino não tem mais tempo para se arrepender e começa a perceber que ele não deveria ter feito o que fez. O chão de cimento chega e abraça as duas mãos e os joelhos quase que simultaneamente. A dor aguda da pele ferida e a visão do sangue dos joelhos faz o menino chorar. O pai se agacha ao lado do filho, dá uma soprada na mão do garoto e aguarda a fase mais aguda do choro diminuir o volume. Coloca o menino de pé, ajoelha-se na frente dele e diz com um tom sério e disciplinador: “Isso é para você aprender que não se pode confiar em ninguém”.
Conseguir conquistar a confiança de alguém não é uma tarefa fácil. Como Dentistas somos apresentados diariamente a pessoas que nunca conhecemos, e sobre nós eles depositam um voto de confiança baseado muito mais na nossa titulação do que em nós mesmos. Por vezes este voto de confiança já foi dado antes mesmo da pessoa entrar no consultório. Ele foi dado na conversa que se teve com um amigo ou amiga que disse que o seu trabalho foi bom e que o resultado do tratamento clinico foi positivo.
Eu acho muito difícil colocar em palavras o sentimento que eu tenho quando um paciente com dor se senta na cadeira odontológica depois de duas noites sem dormir por conta de uma pulpite aguda e seus olhos cansados e lacrimejantes clamam por ajuda. Eu sinto sua dor. Eu entendo muito bem o que eles estão passando. Eu sofro com eles.
Alguns não conseguem falar. Eles simplesmente olham para você e pedem por ajuda. Outros demonstram todo o sentimento de desprezo para o mundo por conta da sua inabilidade de controlar a sua falta de sono por conta daquela dor. Eles xingam, praguejam... ninguém ali, até então, foi capaz de ajuda-los. Cabe a você – somente você – tirar aquela pessoa daquele estado e transporta-lo novamente para o mundo de paz e civilidade.
O estigma que os Dentistas carregam é de serem os agentes causadores de dor e sofrimento. Para confirmar esta afirmação, basta observar figuras e fotografias, caricaturas e desenhos de pessoas passando por tratamento dentário no inicio do século. Histórias que me são contadas no consultório de pacientes nos seus 65 a 75 anos de idade sobre os Dentistas que os atendia quando crianças. Não havia anestesia. Não havia choro. A dor invariavelmente acontecia e o trabalho deveria ser feito. Os consultórios odontológicos de antigamente carregavam a marca de um lugar de dor e sofrimento. Ter esta imagem mudada, creio que ainda irá demorar pelo menos outros 50 anos. Vivemos hoje a época da transição entre o sofrimento da dor para o alivio indolor.
O advento de soluções anestésicas confiáveis e seguras tornaram a prática odontológica uma coisa mais fácil de lidar. Tanto para o paciente quanto para o profissional. Se antigamente a falta de anestésico impossibilitava um tratamento confortável para o paciente, também impossibilitava ao Dentista fazer um tratamento seguro e confiável. Como ter a certeza de que todo o tecido cariado havia sido removido se o paciente não parava de se mexer e gemer durante a escavação da cárie? Quantos casos de insucesso poderiam ter sido evitados se toda a cárie tivesse sido removida? Recentemente eu me deparei com um caso como este, onde um paciente estava se queixando de dor por conta de uma restauração que havia sido feita sem o uso de anestésico – para ganhar tempo – e havia tecido cariado deixado para trás.
Eu sei que pode parecer estar chovendo no molhado, falando este tipo de coisa para Dentistas, mas o que eu quero deixar claro aqui é que depende somente de nós conseguir conquistar a confiança dos pacientes. Eles podem chegar ao seu consultório indicados por terceiros, mas somente a experiência vivida por eles é que irá garantir o sucesso deste novo relacionamento paciente/Dentista. Invista tempo para ouvir, converse com eles mesmo que a sua agenda esteja cheia. Olhe nos olhos, estenda a sua mão. Faça uso de imagens obtidas na internet para explicar e educar seus pacientes. Uma coisa que tenho feito de maneira quase diária agora é mostrar imagens da microestrutura da dentina e explicar para os pacientes a teoria hidrodinâmica da dor de Brännström. Os pacientes saem da consulta mais bem informados e este tempo dedicado a eles acaba aumentando ainda mais a confiança deles no seu atendimento.
A responsabilidade que se coloca sobre os nossos ombros como Dentistas é enorme. Como Dentistas temos a obrigação e dever de oferecer o melhor que podemos para os nossos pacientes, seja em termos de material de trabalho, conhecimento e tecnologia. A possibilidade de conjugar estes três elementos pode ser somente um sonho, mas ganhar a confiança dos nossos pacientes, isso sim é realização.
Um abraço e sucesso sempre!