Pra Descontrair
Não dá pra levar a vida muito a sério. Todo mundo fala isso, mas muito pouca gente consegue rir das próprias desventuras. Acho que no fundo, a habilidade de rir da própria desgraça acaba sendo como um sinal de maturidade. Ter em mente que ninguém é perfeito e que todos nós somos passíveis de momentos desconfortáveis, vexaminosos e angustiantes é importante para levar a vida, como se diz, numa boa.
Esta história talvez não seja para se fazer morrer de rir, mas quando saí hoje a tarde para buscar minha filha na aula de dança, estava falando com minha esposa sobre o ocorrido próximo ao estúdio de dança.
Para quem não conhece essa região onde estou, aqui é o que se considera o berço dos Estados Unidos. As cidades aqui são antigas. Muito antigas. Fundadas pelos primeiros imigrantes que chegaram no famoso navio Mayflower, as cidades se fundem uma nas outras. Não existem fronteiras de cidade para cidade. Aliás... até tem, mas se passar desapercebido você não percebe uma placa branca colocada no lado direito da rua indicando que você está saindo de uma cidade e entrando na outra. É um pouco diferente de onde eu vim, no Vale do Paraíba em São Paulo onde para se chegar a uma cidade diferente, tem uma entrada especifica na Via Dutra, geralmente um anel viário ou um portal de entrada – Campos do Jordão – ou mesmo uma grande avenida... você sabe que está em uma outra cidade.
Hyannis é uma das vilas da cidade de Barnstable – lê-se Bárns tábou – Barnstable se divide em 7 vilas: Hyannis, Hyannis Port, West Barnstable, Cotuit, Osterville, Centerville e Marstons Mills. Saindo de Hyannis e indo para o leste a primeira cidade que tem chama-se Yarmouth, e esta se divide em South Yarmouth, West Yarmouth e Yarmouthport. A primeira cidade para o leste de Hyannis se chama West Yarmouth e foi ali onde eu fiquei logo quando eu cheguei.
Uma casa muito agradável, com um pessoal nota 10 e a impressão de que tudo onde eu via ao meu lado pela vizinhança fazia parte da mesma cidade, ainda que no fundo no fundo eu soubesse que não era. Mas essa ficha só vai cair quando já era tarde demais.
Nas primeiras semanas aqui nos EUA eu não tinha carro. Tinha um dinheiro muito contado e tempo de sobra pra fazer o que eu quisesse. Então depois que eu acordava, eu não tinha muito o que fazer. Vamos então botar o pé no chão e andar. E olha... andar aqui é a única opção para quem não tem carro. Carro aqui não é luxo. É necessidade. Naquele dia eu pensei em dar uma volta e ir ate o Mall – Shopping Center – para bater perna.
Eu levava quase 2 horas andando até chegar ao Mall. Como todo o calouro é burro por definição, eu fazia o caminho mais longo por pura burrice, porque na época já era possível usar o Google Maps e ver que existia um caminho muito mais curto para chegar ao Mall de onde eu estava hospedado. Mas não. Eu andava e andava e andava. Em termos de saúde foi até bom, mas não digo nada sobre meus dois pés, porque depois de tanto andar para fazer entrevistas usando a minha melhor roupa e o melhor sapato, este último, ainda que tivesse um bom visual não era nem um pouco confortável. Depois de 2 meses eu percebi que minhas duas unhas do dedão do pé estavam com os dias contados.
Mas ainda assim eu andava. Talvez medo de me perder ou a falta de calçada pelo caminho mais curto, o que aconteceu acabou sendo um grande aprendizado para mim.
Depois de andar as quase 2 horas para chegar ao Mall, passar algum tempo na Livraria Barnes and Noble eu precisava ir embora. Estava cansado, já não tinha mais nada pra fazer e só de pensar ter que andar outras duas horas de volta me deu tristeza. Já sei! Vou de táxi – piadinhas da Angélica são esperadas...
Ainda que eu não estivesse morrendo de saudades de casa, achei que tive sorte porque logo que eu sai pra fora da Livraria uma mulher estava saltando de um taxi. Sozinho ali e vendo que não tinha mais ninguém para pedir carona ou uma corrida para ele, eu entrei no taxi.
Cumprimentei o motorista e falei para ele: “121 Camp Street, please.”
Ele deu um grunhido e começou e saímos. Foi meu primeiro contato com um americano onde eu me senti em um daqueles filmes de gangster. Era motherfucking aqui, fuck the president ali, um despejo de impropérios múltiplos até chegarmos ao destino. Destino errado.
Sim! O Destino errado.
Conforme ele ia dirigindo e eu ia reconhecendo o caminho, percebi que em determinado momento quando ele deveria ter seguido reto na avenida, ele virou a direita. Estranho... estava fácil continuar naquele sentido, quando eu percebi na placa da rua que estávamos entrando na Camp Street. Mas era OUTRA! PUTA MERDA! A mesma cidade com duas ruas com o mesmo nome!
Claro que essa Camp Street não tinha o numero que eu tinha pedido. Ele parou na altura do numero 150, virou pra tras e disse: “Seu numero esta por ai perto. São 11 dolares!”
Carai... ter que pagar pra esse sujeito por ter me levado pro lugar errado? Bom, acho melhor pagar do que tomar um tiro ou sair escurraçado de dentro do táxi.
Eu dei para o motorista 15 dólares porque eu não tinha trocado. Fiquei esperando... esperando... esperando... o troco! 4 dólares, certo?
- What the fuck are you waiting for? – ele perguntou.
- The change.
O troco pô. Se eu ainda tenho que andar mais o que eu não estava planejando para ir pra casa, pelo menos que não fosse com o bolso totalmente vazio. Prá que...
- That’s the TIP! – vociferou!
Gorjeta?! O velho além de ter me levado para onde eu não queria e não sabia onde estava, ainda pegou 4 dolares de gorjeta! Fiadaputa!
Saltei do carro e fui embora. Andando... digo, mancando.
Não foi muito difícil me achar. Foram mais uns 20 minutos de onde eu realmente gostaria de ter chegado. Quando cheguei em casa e comecei a pensar no que aconteceu, então, que eu tive a grande revelação: Hyannis e West Yarmouth, ainda que não tivesse uma fronteira bem definida, estavam intimamente ligadas. No momento que eu entrei no taxi, eu deveria ter dito: “121 Camp Street, West Yarmouth”. Como o Mall estava em Hyannis, o motorista do taxi me levou para a Camp Street de Hyannis.
Eu não ia dizer pro cara que ele estava errado. Por que ele não estava, afinal ele tinha me levado até a Camp Street como eu tinha pedido. E ademais, pra que correr o risco de tomar um tiro de graça ou ser escorraçado do taxi, ou ter a policia indagando sobre quem eu era e pra onde eu estava indo? Não, muito obrigado!
Então, pra você que quer vir morar nos EUA, procure usar com sabedoria o Google Maps, faça um roteiro de maneira antecipada antes de por o pé na estrada e saia com um sapato confortável. Ou então chame o Uber.
Um abraço e sucesso sempre!